sábado, 31 de dezembro de 2011

CHRISTOPHER HITCHENS - Um provocador realmente necessário

 
Nietzsche dizia que “o progresso é uma idéia moderna, portanto uma idéia falsa”. No mundo moderno que temos hoje, na chamada era da informação, pode-se reconhecer um farsante intelectual quando este se torna defensor entusiasta de uma idéia. Simplesmente esse tipo de “intelectual” fala para as massas ignorantes e manipuláveis na intenção de vendê-los uma idéia fascinante mas falsa. Aí se incluem os entusiastas de algum espectro político, religiosos radicais (o câncer de hoje em dia e que são extremamente bem sucedidos na arte de arrebanhar adeptos ao fazer sua ilusão ignorante parecer algo profundo e superior), os bairristas e patriotas de todo o tipo e até o excessivamente corretos politicamente (que dizem que ‘toda cultura é legal” e que por isso certas críticas não devem ser feitas). 
Hitchens não se encaixa nessa definição de farsante intelectual, acho que ele, um caso raro de intelectual  de grande audiência, foi a mente mais genial dos últimos anos e fez o que é função de quem  escolheu ser inteligente: provocar o incômodo.     
Excelente ensaísta político, ex-militante Trotskista nos anos 1970, Hitchens se mostrou um intelectual  libertário no melhor estilo. Jamais se prendeu a igrejinhas intelectuais, conseguindo admiradores e detratores tanto na esquerda quanto na direita, teve coragem de sempre se expressar mesmo quando sua opinião se chocava contra figuras que seriam supostas “unanimidades universais” como madre Teresa de Calcutá, Harry Kissinger, ou quando decepcionou a esquerda política da Europa e EUA ao defender a invasão ao Iraque e Afeganistão e criar o termo ‘Islamofacismo” ao alegar que o Islã radical é uma doutrina de caráter fascista com a qual não se pode ser conivente.

O passado de esquerda de Hitchens não o impediu de chutar a idéia de que “toda cultura é legal” pregado pelos intelectuais de esquerda. Aí está a grande virtude de Hitchens: a de não se prender a nenhuma doutrina política ou social. Apesar de não concordar com a opinião dele sobre a guerra do Iraque, pois acho que colocar o partido Republicano dos EUA numa guerra contra o “Islamofascismo” é trocar de fascismo,  admito que Hitchens sempre foi genial e eloquente.
A luta de Hitchens era contra qualquer forma de absoluto, qualquer explicação ou esperança derradeira, contra qualquer pretensão totalizante. A coragem que lhe marcava o tornou capaz de escrever um livro contra a figura adorada em todo o mundo: Madre Teresa de Calcutá. Para ele Madre Teresa foi muito boa em emprestar seu prestígio para ditadores da pior qualidade e que com as doações que recebia poderia fazer hospitais de primeira linha na Índia, mas mantinha suas casas religiosas em condição de penúria por puro sadismo, estas casas não passavam de uma espécie de “lar de moribundos” onde as pessoas iam para morrer. (veja vídeo abaixo)

Ateu, foi um dos expoentes do novo ateísmo,  ao lado de autores como Richard Dawkins, Sam Harris e Daniel Dennet, e teve como um de seus últimos lançamentos o Best-Seller “Deus não é grande – Como a religião envenena tudo”. Mais que ateu Hitchens se autodenominava ‘antiteista’, para ele mais do que ser ateu, pois alguém apesar de descrente poderia alimentar uma simpatia pela figura do divino, há que se endurecer contra a própria idéia de Deus pois seria uma idéia irracional e destrutiva. Sempre tomou o cuidado de defender o ateísmo das acusações imbecis de que o vinculavam ao nazismo e as ditaduras genocidas comunistas. Hitchens sempre gostou de lembrar que o fascismo e nazismo poderiam ser facilmente classificáveis como “Partidos Católicos de Extrema-Direita” (o que é muito verdade), e que as ditaduras comunistas tinham um aspecto muito mais teocrático do que tentam mostrar covardemente os detratores do ateísmo. Em sua última entrevista ele disse:
"Lamento dizer que a relação da SS com a Igreja Católica é algo que a igreja ainda precisa enfrentar."

"Se você está escrevendo sobre a história dos anos 1930 e a ascensão do totalitarismo, pode, se quiser, tirar a palavra "fascista" em relação à Itália, Portugal, Espanha, Tchecoslováquia e Áustria e substituí-la por 'partido católico de extrema direita'."

"Quase todos os regimes foram instalados com a ajuda do Vaticano. Isso não é negado. Em muitos casos os entendimentos com a Santa Sé persistiram após o fim da Segunda Guerra e se estenderam a regimes comparáveis na Argentina e outros países."

De qualquer modo, o ateísmo não supõe nenhuma espécie particular de posição política.

"Você mencionou a Coreia do Norte. Ela é um Estado teocrático, em todos os sentidos. É quase sobrenatural, na medida em que os nascimentos na família (governista) Kim são vistos como sendo misteriosos e acompanhados por acontecimentos fora do comum. É uma 'necrocracia' ou uma 'mausoleucracia', mas não seria possível dizer que seja um Estado secular, o que dirá um Estado ateu."

"As tentativas de fundar religiões novas deveriam atrair nosso desdém, tanto quanto o atraem as alianças com as religiões velhas."

"Tudo o que se afirma é que não é possível dizer Hitler tenha sido nitidamente cristão: "Talvez, se ele tivesse continuado, teria se descristianizado um pouco mais". Isso é tudo baboseira absoluta. É falho como história e é falho como propaganda política."

"Na medida em que a adoração a Stálin e o 'Kim Il-sungismo' são novas religiões, nós, como todos os ateus, as repudiamos absolutamente."

 

Traçar um perfil razoável sobre Christopher Hitchens, sem gastar umas duas centenas de páginas é bem difícil. Soube manter com maestria o compromisso usar a inteligência para promover a dúvida, a discordância e o debate racional e franco.  Hitchens foi provocador, agressivo, aberto, militante mas fez isso com classe, ousadia e racionalidade. Esse tipo de figura faz falta aqui no Brasil, os polemistas que infestam a mídia escrita, falada e televisiva passam longe de serem polêmicos no melhor sentido do termo, são na verdade trogloditas, fascistas, reacionários e preconceituosos, e podemos usar como exemplo disso figuras do tipo Paulo Francis (exaltado saudosamente por muita gente graúda do jornalismo até hoje) ou Diogo Mainard, entre outros vagabundos que se entupiram de dinheiro cuspindo estupidez na mídia jornalística.
 Falecido neste Dezembro de 2011, Hitchens vai fazer muita falta e vai demorar um bocado a surgir outro como ele. Cumpriu bem sua missão de incomodar quem se apega a "verdades absolutas" e "figuras redentoras" para esconder a vidinha e o pensamento ralo.