sábado, 24 de novembro de 2012

A RELIGIÃO COMO CORTINA DE FUMAÇA (parte 1)

ESCLARECIMENTO PRÉVIO SOBRE O TEXTO: 

Para que se entenda esse texto sem deixar brechas a algum mal entendido é preciso deixar claro que a noção de “direita” e “esquerda” que eu trato aqui não se trata de definir os grupos políticos entre “proletérios” e “burgueses” ou “marxistas” e “Neo-liberais”. O conceito que adoto vai além dessas definições. Defino particularmente a “direita” como a defensora da estrutura social estabelecida, dos donos do poder, dos valores sociais vigentes e atualmente hegemônicos, e por “esquerda” eu defino como aqueles que são os excluídos do poder, os rebeldes e defensores de ideologias inovadoras (Nota: quando falo “excluídos do poder” não é no sentido de mera oposição política a um governo, mas sim relativos aos grupos sociais que são oprimidos pela estrutura social-econômica vigente). De modo que “direita” e “esquerda” não são ideologias fixas, num certo sentido pode-se considerar o Partido Comunista Cubano como “conservador” pois ele tenta evitar a partilha do poder econômico e político, como fazem as oligarquias brasileiras, por exemplo (comunistas não me insultem, por favor!)

A RELIGIÃO COMO A CORTINA DE FUMAÇA DA DIREITA

Ninguém admite que é reacionário, ponto. Muito dificilmente escutaremos algum político afirmar que é contra direitos trabalhistas fundamentais (férias, salário mínimo, seguro desemprego, multa em caso de demissão sem justa causa, etc.), ou contra algum outro direito constitucional reconhecido. Nenhum candidato ou partido admitirá que pretende ampliar as diferenças sociais entre ricos e pobres, ou que tem por intenção jogar nas mãos da iniciativa privada  serviços como saúde, educação básica ou educação superior. Ainda que o programa partidário diga o contrário, e que o histórico do partido faça a negação do candidato parecer bisonha, eles não admitirão. Mas também não negarão, e se negarem é só um estratagema para, chegando ao poder, colocar em práticas essas idéias. 

 Um debate aberto e franco sobre programas de governo e seus efeitos sociais a médio e longo prazo faria com que os partidos defensores de políticas liberais na economia, do estado mínimo e da desregulamentação do mercado fossem verdadeiros fracassos eleitorais. Afinal, um cidadão das classes médias e baixas só votaria em candidatos com propostas contrárias a seus interesses se fosse  ele um boçal extremo, ou se acreditasse piamente na balela que o sistema capitalista dá oportunidades iguais para todos (o que é uma bobagem, embora exista sim alguma possibilidade de uma pessoa ascender de classe social mediante o seu trabalho, mas é ingenuidade achar que isso está a disposição de todos mesmo que se esforcem muito).
Mas o fato é que estes partidos tem sim êxito eleitoral, por vários motivos. Vamos aqui tentar mostrar algum deles.

Tim Maia dizia que o Brasil era o único lugar em que “cafetão sentia ciúmes e pobre é direita”. Mas convém pensar: “por que diabos pobre seria de direita?”. Simples, porque como disse no início, ninguém admite que é reacionário. Do mesmo modo em a Coca-Cola não admite que seu produto causa diabetes, câncer,  entre outras doenças a direita jamais admitira suas reais implicações enquanto projeto de poder. Ninguém compraria Coca-Cola se estivesse escrito com destaque na embalagem “ISSO CAUSA GASTRITE”;  talvez alguns ainda comprassem , sei lá.

A direita no percurso da história disfarçou seu ideal político com vários outros estratagemas bem sedutores e eficientes como o apelo à tradição, venda do ideal do sucesso financeiro (ainda que na prática irrealizável), moralismos, machismo, anticomunismo, racismo, arianismo, nacionalismo, xenofobia, etc. Todos esses sentimentos com ampla aceitação popular (Nota: é triste dizer mas racismo, machismo, xenofobia tem sim aceitação social. Horrível mas é verdade) sempre serviram como uma cortina de fumaça eficiente para que o grupo que domina o poder político e os meios de produção, educação e comunicação da sociedade possam manter seu status posando como defensor destes valores e, lógico, disfarçando as reais conseqüências do seu domínio.

Neste mundo pós-moderno onde não se tem nenhuma ideologia de massas, e o individualismo chega quase aos níveis do autismo e faz com que os indivíduos vejam as outras pessoas como concorrentes em todos os aspectos da vida, fica difícil para um grupo apelar para alguns valores coletivos a fim de manter seu poder na sociedade. Quase não existe mais o sentimento de pertencimento a uma nação, uma raça ou um grupo. Mas ainda existe um espaço que mantém o sentimento de grupo dos indivíduos e que consegue em si só abarcar todos os estratagemas usados anteriormente pelas elites dominantes e de forma ainda mais sutil: A RELIGIÃO.

A religião continua viva e eficaz na arte de congregar pessoas e fazê-las compactuar de uma ideologia comum.  Apenas uma minoria adota um credo religioso por ter uma opinião elaborada a partir de leituras e pensamentos autônomos. E daí o pensamento de direita faz a festa, encontra na religião o disfarce que preenche a lacuna deixada por seus reais ideais e que, caso fossem expostos publicamente, levariam ao fracasso eleitoral.

Detalhe é que a religião consegue dar uma roupagem virtuosa a quase todos os estratagemas conservadores que pareciam ter sido jogados no ostracismo e que fazem a alegria das ideologias reacionárias. A submissão da mulher (em outras palavras: machismo) é justificada a partir do fato de que Deus havia determinado o homem a ser “o cabeça”; a concentração de renda deixa de ser fruto da estrutura econômica e passa a ser culpa da falta de fé ou da determinação divina (teologia da prosperidade e da predestinação); os governantes não podem ser questionados pois foram colocados no poder supostamente pela vontade de Deus, e assim por diante.

Essa forma de pensar a realidade a partir da religião faz com que qualquer idéia contrária a fé seja vista como obra do diabo, sinal do fim dos tempos, algo que tem que ser extirpado da sociedade ou Deus poderá castigar severamente os fiéis caso se omitam ( e isso porque “os ama”, imagina se detestasse). Daí para que isso seja usado como arma política é um passo. 
Os grupos sociais marginalizados tendem a buscar mudanças sociais e apoiar partidos com ideologias mais abertas a eles. As atuais esquerdas adotaram as questões das desigualdades raciais, culturais, étnicas e de gênero em seu programas políticos por reconhecerem nelas um reflexo da desigualdade social. Como ambos lutam por mudanças na sociedade era de se esperar que houvesse uma cumplicidade entre esses grupos e foi o que aconteceu. 

É justamente a partir daí que a direita atual consegue a cortina de fumaça que tanto precisa para disfarçar as suas reais intenções. Os seus adversários ideológicos passam a representar tudo aquilo que a religião entende como “ruim”, “profano” e “degenerador”, e diante de um exército numeroso de pessoas arrebanhados pelas igrejas passam apelar a o discurso religioso, misturando-o com a política visando obter vantagens eleitorais. E a partir disso o debate se radicaliza e desce a níveis muito além do subsolo. 
O crescimento da religião no mundo pós-moderno, mesmo com todo avanço da ciência e das comunicações, é a zona de conforto dos grupos políticos conservadores. Nessa aliança todos os envolvidos saem felizes: os religiosos, e mais ainda seus líderes, usarão essa força partidária para ter o poder como força de opressão aos grupos sociais e ideologias consideradas inimigas por eles, bem como para manter privilégios (isenção de impostos) e ampliá-los até os limites da imoralidade (compras de redes de rádio e TV, de editoras, influenciarem o que é ensinado nas escolas, etc.). Já a direita política consegue a cortina de fumaça quanto a seus reais interesses, adquire um público cativo que não percebe que são ovelhas jantando com lobos e agora tem como estigmatizar seus adversários políticos como “inimigos da fé” ou “inimigos da família”.

E que se danem a expressão religiosa das minorias, os direitos das mulheres, dos homossexuais, o direito da livre manifestação, dane-se o debate público plural e construtivo; e que se exploda definitivamente a educação pública de qualidade, laica científica e gratuita. Em suma: danem-se os direitos mais elementares de uma democracia.
E tudo isso debaixo das bênção de líderes religiosos pouco, ou nada, virtuosos.

No próximo post eu cito exemplos concretos das idéias expostas aqui

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

PRA QUÊ REATIVAR UM BLOG? (a solidão das idéias)



 

             A pior das solidões é a solidão de idéias, quando se tem muito a dizer e ninguém disposto a escutar. Por sentir-me assim é que retorno com esse blog de audiência pífia. A intenção é justamente de pregar no deserto, falar com as pedras, correr atrás do vento. Mesmo com a aproximação um estafante fim de ano nos 4 colégios onde leciono, um projeto de mestrado para elaborar (com leituras e mais leituras se acumulando)  um tempo cada vez mais escasso simplesmente vou reativar o meu blog. A intenção prática é a de pegar novamente ritmo de escrita a intenção maior é a de falar sobre aquilo que ninguém quer discutir (pelo menos não seriamente).

            Coisa ingrata é lutar contra o espírito da época. Hoje sinto que ninguém mais se interessa por problema algum, pensar cansa e para se elaborar uma opinião realmente consistente sobre qualquer tema é preciso ter alguma vivência intelectual, cruzar informações usar de conhecimentos diversos que se adquire durante a vida; e simplesmente ninguém mais faz isso. O importante é lançar opiniões toscas, sem fundamento, baseadas muitos mais na “sabedoria popular” (que de sábia tem pouca coisa) do que em um exercício de pensamento realmente relevante. As redes sociais dão prova disso todo dia.

            Não importa se da alma mais ignorante, daquela que assiste o Programa do Gugu e do Datena, ou do mais erudito doutor, jornalista, professor (sim, eles também), hoje é cada vez mas claro que todo mundo se percebeu que ser idiota é mais fácil do que ser inteligente. Ser um “Zé povinho” não requer prática, nem tampouco habilidade, basta querer ser um e... pronto! Daí é sair vomitando posições políticas, sociais e morais de constranger um Alborgheti . 

            Simplesmente vejo gente com alguma  instrução usando de sua erudição para encher de pompa as idéias mais medíocres.  Daí tome mais moralismos sem nexo, mais bairrismo idiota, mais exaltação de “heróis da história” e mais defesas das idéias mais reacionárias. Se acham verdadeiros “eruditos novaiorquinos” por isso quando na verdade não passam de texanos decadentes.  Lêem certas revistas como se fossem uma nova Bíblia e sentem orgasmos quando algum colunista destila preconceito politicamente incorreto, com um pouco de sorte você encontrará algum dizendo “Hitler não estava tão errado” ou “a ditadura fez bem ao país, naquela época não tinha corrupção”

            Já dos ignorantes habituais se espera o de sempre: o voto nos piores políticos, a rejeição a qualquer idéia realmente coerente, os preconceitos comuns, as correntes ridículas nos facebooks da vida, os modos rudes e grosseiros, a apreciação de humor chulo, e o uso da ignorância como argumento ( agora engrossado com o endosso dos pseudo-eruditos que usam sua formação para legitimar as opiniões dos “Zé povinhos”).

            Daí não raro que os discursos de pessoas aparentemente díspares em suas posições sociais (“eruditos” e ignorantes, sem distinção de classe social) se assemelhem tanto: “antigamente existia respeito”; “os valores da família não são mais respeitados, por isso o mundo está assim”; “a culpa é da falta de Deus na sociedade”; “esses negros são uns preguiçosos que se escondem por trás das cotas”; “os gays tem ódio dos héteros”; “Politico X é bom porque é igual ao povo”; “Quem critica nossa cidade é porque sente raiva dela”, “fulano de tal é um herói de nossa história, devemos a ele nosso desenvolvimento”; “quem se importa com a cultura dos índios, é tudo um bando de maconheiro”, isso entre outras infinidades de pérolas.  No Facebook essas “opiniões” vem acompanhadas de mensagens religiosas e/ou motivacionais tiradas do perfil de alguma banda de forró, padre cantor, ou jogador de futebol. (isso fora as citações falsas)

            Daí qualquer um que tente desafiar a mediocridade geral e irrestrita (globalização funcionou até nisso, hein?!) é tratado como pária social, seja nas redes sociais, seja no trabalho, seja entre os conhecidos no dia-a-dia. Um texto mais longo ninguém quer ler, uma opinião mais longa e abalizada ninguém quer ouvir, uma música com uma letra que preste ninguém quer escutar. Um livro que tenha alguma profundidade, com muitas linhas? Pufffffs, aí é que ninguém nem chega perto. 

            Não se trata de consumir apenas o erudito, de buscar apenas ser intelectual, ou desprezar todas as formas de entretenimento e distrações mais populares, isso é impossível (além do óbvio fato de que algo ser popular não significa que necessariamente seja ruim). Eu gosto de músicas populares, de piadas bobas e conversas despretensiosas; também assisto novela e (muito) futebol, também falo bobagens.  O problema é que as pessoas simplesmente estão declarando uma guerra contra qualquer tipo de pensamento mais elaborado, e sinceramente não acho que exista quem despreze o conhecimento e a inteligência por algum tipo de determinismo social ou algo que o valha. Todos esses “Zé povinhos”, com diploma na mão ou não, sabem que defendem um ideal de vida degradante onde o cinismo é o principal sustentáculo, os valores aceitos socialmente hoje são tão degradantes que apenas alguém com sérios problemas os defenderia por convicção genuína. Até o mais radical hedonismo tem seus limites.

            Por isso ressuscitei o blog, para ser a minha trincheira pessoal contra esse espírito que corrói essa época. Não que eu seja um gênio, um messias, um guru (Zeus me livre disso), mas esse consenso construído pelo imobilismo das mentes é simplesmente opressor para alguém que sempre admirou a curiosidade, o desafio contras as tradições, um debate aberto e pleno sobre qualquer tema, a ausência de tabus intelectuais. Minhas idéias são simplórias em sua maioria, mas não são formadas a partir do nada, da doutrinação, muito menos da mediocridade geral.

            É claro que me envergonho de muitos textos que escrevi aqui no blog (porque o texto foi pobre,  argumentação foi falha e a gramática ruim, o tema foi irrelevante, ou porque simplesmente mudei de opinião sobre o assunto), mas também sinto orgulho de outros textos que escrevi, vez por outra posto o link no twitter e no Facebook e, como de costume, ninguém lê.

            Esse blog nunca moderou um único comentário, ninguém nunca o considerou relevante para tal (a postagem de maior audiência foi sobre futebol), mas é meu grito solitário em prol de algum debate de idéias que vá realmente ao âmago das coisas e contra esse debate de surdos travado por essa época  que idolatra a futilidade e a ignorância.