segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Nós vivemos na revolução


Para um cético convém pensar que não existem forças místicas, espíritos, feitiços... não faz sentido achar que existe algo sobrenatural guiando a história e a vida dos indivíduos, a realidade basta e só.
Depois de ontem eu começo a rever meus conceitos. Se existir uma força mística poderosa ela reside no Santa Cruz Futebol Clube; se existe um espírito por trás da história, como acreditava Hegel,  ele se apresenta na massa coral unida no Arruda.

Fico a pensar como conseguimos subir de divisão ontem. Temos um time limitado até para uma série C (Sampaio Correia, Fortaleza, Luverdense, Macaé formaram times bem mais equilibrados e qualificados que o nosso), um time que as vezes parece dormir em campo, outras vezes parece sentir o peso da responsabilidade de vestir o manto coral e desaprende a jogar. Nossos zagueiros viciam-se em chutões a esmo, nossos volantes marcam mal, nossos atacantes são puros caneleiros (O único diferenciado, Denis Marques, entrou de férias em abril e não voltou mais).

Ontem o time desaprendeu a jogar mais uma vez, tomou pressão, foi acuado; parecíamos um boxeador fulminado por socos demolidores preso a um corner, mas que se recusava  a cair. Não caímos.
As 60.040 vozes levantaram o time do chão, nos levaram a uma vitória épica que denuncia a existência de um espírito que move a história.

Existe uma revolução esperando a acontecer, a revolução definitiva da história, aquela que jamais será derrubada. Essa revolução é tão grande que não há ainda como descrevê-la, só se pode senti-la. Ontem no Arruda estiveram reunidas todas as raças, credos e estratos sociais. Milhares de histórias de vida díspares se uniram para expressar um sentimento que vem se acumulando de geração em geração, de época em época. O espírito da história esteve presente ali.

Ali estiveram os Incas, Maias e Astecas que foram dizimados pelos colonizadores espanhóis, estiveram aqueles que foram torturados nos porões, os prisioneiros dos Gulags stalinistas. Esteve ontem no Arruda a força dos primeiros cristãos que eram devorados pelos leões no coliseu romano, dos irmãos Caio e Tibério Graco que morreram lutando pelo sustento da plebe romana, dos escoceses que lutaram ao lado de William Wallace por um país livre contra a tirania dos ingleses. Ontem no Arruda o sangue escravo derramado para que se construísse o Brasil esteve em cada uma das vozes presentes.

Amigos, existe uma revolução que reside dentro do Santa Cruz. Uma revolução que fará justiça a todos aqueles que um dia sucumbiram diante da tirania, das ditaduras, dos genocídios, da fome. Essa revolução é tão grande, mas tão grande, que não há uma única palavra capaz de descrever ou de imaginar como ela será. Por isso ela é expressa através do grito ensandecido da massa tricolor, da sensação de alívio e vitória que sentimos ontem.
Carregamos o peso de milhares de anos de história nas costas, temos a obrigação de fazer justiça.

Ontem antes do jogo no Recife havia o clima das mais emocionantes utopias, pessoas desconhecidas se cumprimentavam e se abraçavam, milhões de pessoas formavam um único corpo. Até nossos adversários nos cumprimentavam e desejavam boa sorte com enorme sinceridade. Os velhinhos sorriam nas calçadas de Olinda, as mulheres estavam mais bonitas, os homens mais confiantes; haviam oceanos de sorrisos nas ruas. A alma do povo estava ali.

Por um dia não haviam ricos nem pobres, por um dia parecia não haver miséria,  parecia não haver violência. Havia um nível de fraternidade sem precedentes na capital pernambucana.


Agora sei porque Robespierre, Lênin, Mao, Che, Fidel não conseguiram fazer revoluções realmente populares: eles não conheciam o Santa Cruz. Não entendiam a alma do povo, aquela que vai fazer a revolução definitiva.

Não sei como será essa revolução, mas sei que ela esteve lá ontem.


sábado, 2 de novembro de 2013

O que se está construindo no ensino público?


Nunca houve exatamente uma "época de ouro" da educação no Brasil. O mantra de que "no meu tempo a escola era melhor" é uma meia-verdade pois quem fala faz pensar que antigamente a escola não tinha problema, ou que esses problemas eram ínfimos.
Nunca estudei a fundo a história da educação no Brasil mas lembro que nessa determinada "época de ouro" a escola no Brasil era bem excludente. Haviam exames de admissão em colégios públicos (o que eliminava grande parte das crianças de 10,11,12 anos da vida escolar), altos índices de analfabetismo e uma quantidade irrisória da população terminava o 2º grau (ensino médio). Ou seja, a sala de aula podia até ser melhorzinha (há controvérsias) mas a sociedade pegava fogo ao redor dela.

A partir dos anos 1970 começa a expansão do ensino público no Brasil. Os governos militares, endividados com o FMI, cumpriam com as exigências do fundo quanto a escolarização simplesmente enchendo as salas de aula, precarizando as estruturas e ainda mais os salários dos professores. O que se configurou um desastre na prática era um sucesso em números, daí tome a divulgar estatísticas frias sobre educação que em nada condiziam com a realidade. 
Essa cultura de divulgar os feitos da educação apenas em indicadores frios e estéreis se enraizou. Presidentes, prefeitos e governadores usam de números, e apenas eles, para fingir que a educação vem dando certo.

Lutar por um objetivo cujo os efeitos não se verá a olhos nus, e que para ser percebido é necessário ter uma visão histórico-contextual, é uma tarefa ingrata. O povão gosta de obra feita, de viaduto construído mesmo que ele não tenha carro e que o transporte público seja uma porcaria, gosta de hospital feito mesmo que não tenha médicos ou remédios, quer polícia na rua mesmo que essa seja truculenta e abuse da autoridade (as vezes contra o próprio povão). Esse homo vulgaris é fruto de um país onde a educação é pífia e a concentração de poder e renda nas mãos de uma minoria é enorme. Percebe-se assim que esse homo vugaris tem seríssimas dificuldades em aprender aquilo que escape ao seu horizonte imediato.

Quem mais sofre com isso é a educação, pois o povo só a enxerga em sua praticidade imediata, não pelo legado que uma boa ou má educação escolar deixará para seus filhos e para a sociedade como um todo.  Desse modo se valoriza a letra bonita, o fardamento arrumado, os conhecimentos decorebas, o domínio das 4 operações básicas e, principalmente, a capacidade da escola em manter os meninos e meninas trancados e ocupados durante o dia. Os conteúdos, a pedagogia, a preparação para a vida são deixadas de  lado. 
Para o político basta cumprir com esses anseios imediatistas e a cama está feita. Daí nasceu uma mentalidade de que importante é manter o aluno dentro da escola não importando o que ele esteja fazendo por lá. Então tome aprovação automática, tome falta de livros didáticos, falta de equipamentos e salários baixos. Tome salas lotadas, tome direcionamento pedagógico ineficiente, e tome mais deseducação escolar.

Podemos resumir que o que aconteceu foi que tentou-se acentuar a democratização do ensino sem promover a estrutura e capacitação para tal.
De nada adianta democratizar o acesso a escola se não houver antes condições para que se dê aula. As políticas pedagógicas são permissivas demais aos alunos, dando-lhes liberdade e proteção excessivas; isso acaba potencializando os problemas sociais que explodem na escola, levando boa parte dos jovens ao desrespeito ao espaço escolar, ao desleixo com os estudos e para a violência verbal e física contra professores e funcionários da educação. Fora isso há escolas onde faltam até livros didáticos.

O que se vê no ensino público são tragédias existenciais sendo escritas. Não falo apenas daqueles que por falta de oportunidades, necessidades extremas e influencia de determinadas forças vão cair no crime e no consumo de drogas; esses casos são minorias ainda que isso não torne essa face do problema menos calamitosa.. Mas me refiro ao fato de que estão sendo forjadas gerações que serão incapazes de ler um único livro e interpretá-lo, que devido a má formação escolar estarão presas aos sub-empregos, aos trabalhos meramente braçais, que não terão condições de ascender socialmente pois lhes faltarão a amplitude de pensamento para construir uma atitude ousada visando o crescimento pessoal.

São essas gerações que devido a estreiteza de pensamento sofrerão as angústias de não encontrar uma palavra que traduza suas dúvidas existenciais e seus dilemas, que não saberão resolver os problemas de sua comunidade negociando em conjunto uns com os outros (a pouca escolarização dificulta muito a convivência com ideias e posturas diferentes). Provavelmente serão esses indivíduos que mais sofrerão com a violência doméstica, que se refugiarão no alcoolismo, ou cuja única forma de força esteja no fanatismo político ou religioso. 

O fracasso da educação pública está construindo a renovação do rol de vítimas dos políticos ficha-sujas, dos líderes religiosos picaretas, dos agiotas inescrupulosos, do traficante aliciador...