domingo, 21 de dezembro de 2014

Livro - "O AMOR NOS TEMPOS DO CÓLERA" de Gabriel Garcia Márquez




“porque as feridas mal cicatrizadas voltavam a sangrar como se fosse de ontem” pag.43
“Lembrou a ele que os fracos não entram jamais no reino do amor, que é um reino impiedoso e mesquinho, e que as mulheres só se entregam a homens de ânimo resoluto, porque lhes infundem a segurança pela qual anseiam para enfrentar a vida” pag. 86

Não seria exatamente esse um livro que eu indicaria para os que ainda não conhecem a obra de Gabriel Garcia Márquez, indicaria “Memórias de Minhas Putas Tristes” ou logo “Cem Anos de Solidão” (o melhor livro que já li), mas ler “O Amor nos Tempos do Cólera” é se deparar com uma obra densa, uma viagem profunda nas entranhas da alma humana. Vi certa vez em uma entrevista que Gabo preferia esse livro do que sua obra prima vencedora do Nobel, dizia que nesse livro estavam descritos nós humanos como realmente somos.

O livro conta a história de Florentino Ariza que após alimentar uma febril paixão adolescente correspondida por Fermina Daza tem seus sonhos destruídos ao ser rejeitado abruptamente por ela quanto tinha um pouco mais de 20 anos. O casamento de Fermina com o doutor Juvenal Urbino não sepulta o amor obstinado de Florentino, que suporta 5 décadas de espera até que possa, com a viuvez de Fermina, voltar a lutar por seu objetivo. Em mais de 50 anos esperando Florentino Ariza faz de sua vida uma caminhada sem trégua até o dia em que poucas horas após o sepultamento do Dr. Juvenal Urbino possa declarar ainda vivo o sentimento de sua juventude por Femina Daza.

“Uma noite voltou do passeio diário aturdida pela revelação de não só se podia ser feliz sem amor como também contra o amor” pag 114

Gabo escreve o livro na postura de um narrador onisciente que conta  em detalhes os percalços tanto da solidão de Florentino Ariza (uma solidão entrecortada por muitas mulheres e uma vida libidinosa) quanto do casamento de Fermina e Juvenal (e a gradual descoberta de Fermina que a vida conjugal se resume a pastorear rancores). A escrita de Gabo beira a perfeição literária; até os vários personagens secundários da trama tem uma história de vida, um perfil psicológico de modo que nenhuma atitude deles parece fora de propósito no enredo. A descrição destes personagens é tão bem feita que é possível imaginar que Gabo fosse capaz de escrever um livro de 500 páginas sobre cada um deles. A narrativa do livro conta com poucos diálogos entre os personagens;  a grande viagem é pela mente e os sentimentos deles. A habilidade de Garcia Marquez com as palavras rende descrições envolventes e aforismos matadores ao final de cada parágrafo, tais como: “a sabedoria nos chega quando já não serve pra nada”  

“Era ainda jovem demais para saber que a memória do coração elimina as más lembranças e enaltece as boas e que graças a esse artifício conseguimos suportar o passado” pag. 136

Para mim o mais marcante do livro é que a velhice não é descrita por Gabo como uma fase de reconciliação com a vida, de conformismo; é antes uma fase de conflitos íntimos profundos não apenas pelo diálogo que a muita idade nos força a travar com o nosso irremediável fim, ou mesmo com a percepção que a beleza e a vitalidade vão embora, mas sim porque na velhice o passado nos assombra como um fantasma perturbador. É esse fantasma de um amor de meio século que faz dois septuagenários desnudarem-se e se tocarem pela primeira vez. 

É um livro grandioso que talvez não tenha seu merecido destaque por ser ofuscado por “Cem Anos de Solidão” e que o detalhismo das descrições do ambiente e da psicologia dos personagens afastaria leitores inexperientes e apressados; mas no fim das contas promove uma viagem profunda e dilacerante na alma humana e nas suas relações contraditórias com amor. Somente Gabo seria capaz de escrever um livro de 430 páginas tratando sobre o amor e suas várias faces e formas sem resvalar em nenhum traço de pieguice.

"Com ela aprendeu Florentino Ariza o que já padecera muitas vezes sem saber: pode-se estar apaixonado por varias pessoas ao mesmo tempo, por todas com a mesma dor, sem trair nenhuma. Solitário entre a multidão do cais, dissera a si mesmo com um toque de raiva: 'O coração tem mais quartos que uma pensão de putas' " pag. 337 

Gabo deveria ter sido proibido de morrer... 

Para adiquirir: Editora Record 
Preço R$55,00