sábado, 30 de março de 2013

Livros- "Dossiê Moscou" (Geneton Moraes Neto) - Crônicas sobre um "sepultamento" e um "parto"




Acabei de ler o livro "Dossiê Moscou" do jornalista Geneton Moraes Neto. Um livro espetacular sobre a cobertura das primeiras eleições presidenciais livres na Rússia após o colapso do socialismo soviético.

Os relatos e entrevistas são fantásticos. Ex-funcionários do regime soviético contam casos dos bastidores do regime, ex-agentes secretos dão depoimentos que são eloqüentes tradutores da complexa mentalidade da guerra-fria. Cidadãos comuns dão um pequeno retrato sobre como era o dia-a-dia diante do sepultamento de um regime político e o parto doloroso de um novo.

Um dos momentos mais marcantes é a entrevista com um jornalista do jornal PRAVDA (oficial do regime), onde se mostra a realidade orwelliana do jornalismo num regime de partido único.

O ponto alto do livro é a entrevista com o historiador Eric Hobsbawm onde ele analisa as causas do fracasso da utopia socialista. Nas falas de Eric percebe-se uma enorme preocupação sobre quais ideologias substituiriam o espaço deixado pela utopia socialista:

"Há um vasto espaço para o sonho. Mas também há o perigo de que esse espaço seja preenchido por um tipo errado de sonho: por sonhos nacionalistas, por sonhos racistas, por sonhos de ressurreição de religiões fundamentalistas" - Eric Hobsbawm
(NOTA: essa foi a frase mais certeira que li nos últimos tempos)

As eleições russas de 1996 trazem reflexões importantes sobre como o ritmo dos acontecimentos históricos é sentido de maneiras diferentes dependendo do contexto em que as popuações estão inseridas:  enquanto o mundo bradava o fim do socialismo o candidato do Partido Comunista Russo quase venceu Yeltsin nas eleições;  enquanto o mundo tratava Gorbachev como um herói que trouxe liberdade a Rússia e extinguiu a chance de uma guerra nuclear, ele era um retumbante fracasso eleitoral dentro de seu próprio país (foi o candidato presidencial com menor votação em 1996).

É um livro empolgante para quem se interessa pelas variadas dimensões de grandes acontecimentos históricos. Com boas entrevistas e crônicas escritas no estilo "jornalismo literário". Li suas 235 páginas em uma única tarde.

Vale a leitura.

sábado, 16 de março de 2013

PARECE QUE MENTIR DEIXOU DE SER PECADO




O humorista americano Bill Maher costuma dizer que nessa autodenominada “era da informação” a coisa mais difícil é encontrar uma informação verdadeira. Ele está certo. Nesse mundo das redes sociais ficou ainda mais difícil ter acesso a informações realmente sérias. 

As redes sociais tornaram-se a prova de que as pessoas vivem em verdadeiros “cercadinhos mentais” e que não estão dispostas a sair deles. Não adianta que a escola ensine a duvidar de tudo (o que infelizmente poucas fazem, diga-se), ou que tenha um consenso social de que todos devem ter direito a livre-expressão e que se deve sempre ouvir atentamente os vários lados de uma história. O fato é que nessa era da informação as pessoas não estão somente interessadas em interpretar um personagem nas redes sociais (geralmente todo mundo se pinta de engajado, espiritualizado, defensor dos animais, da ética na política, fiel a Jesus, etc.). Mais do que isso elas estão interessadas em aderir previamente, e sem muita reflexão, a ideologias que melhor lhes agrade, que esteja de acordo com uma visão arbitrária, binária e infantil de mundo que vem herdada da mania que a sociedade tem de buscar estereótipos simples para dar respostas igualmente simples para tudo.

Lógico que para cada tema complexo as respostas simples se mostrarão verdadeiras furadas e, creio eu, todos que propagam idéias simplórias, mas com pretensão de “resposta absoluta”, sabem em seu íntimo que estão a divulgar uma notória falsidade. Mas a lógica do mundo virtual, assim como do mundo real, não é a de questionar as coisas, é a de aderir a elas e uma vez que se confesse como adepto de alguma idéia passar a defendê-la de maneira doentia, irracional e quase psicótica.

Essa semana explodiu uma série de postagens no facebook contra o Deputado Federal Jean Wyllys, onde se atribuía a ele uma série de frases de altíssimo preconceito contra os cristãos. A função clara do movimento era esvaziar o discurso do deputado fazendo sua defesa dos direitos dos homossexuais ser confundida com um forte anti-cristianismo digno do ateu mais ranzinza e infantil. 

Esse movimento tem a ver com acontecimentos que se deram nos últimos dois meses em que a vitória das forças teocratas do Brasil vieram acompanhadas de uma forte reação de pessoas com credibilidade nos campos das ciências, artes e política. Isso expôs ao ridículo o discurso de algumas figuras proeminentes do fundamentalismo religioso brasileiro tais como Silas Malafaia e Marco Feliciano.

No caso do Malafaia ele foi literalmente desmascarado pelo vídeo-resposta do geneticista Eli Vieira sobre suas afirmações no programa “De Frente com Gabi” no SBT. Malafaia fez vários outros vídeos respondendo a Elí, (“respondendo” é modo de falar, o termo mais certo seria “insultando”, “atacando”). Mas para dar uma verdadeira pá de cal nas mentiras do Malafaia a Sociedade Brasileira de Psicologia e a Sociedade Brasileira de Genética deram razão a Elí Vieira em notas oficiais. (Veja aqui e aqui)
Eli Vieira desmonta as falácias ditas por Malafaia no programa "De Frente com Gabi" do SBT. 
As reações destemperadas do pastor em relação ao vídeo não surtiram efeito.
Nos dias seguintes a Associação Brasileira de Psicologia e Associação Brasileira de Genética manifestaram endosso as aformações de Eli Vieira.  

Depois a eleição de Marco Feliciano para presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Esse fato, culpa da irresponsabilidade do PT com uma de suas bandeiras históricas, desencadeou revoltas entre os movimentos negros e homossexuais devido a afirmação de caráter racista e homofóbico de Marco Feliciano. A revolta saiu do “sofátivismo” e tomou ruas, com protestos em várias cidades.

As vigarices do Feliciano pipocaram na internet, reportagens demolidoras de jornalões e revistas semanais importantes mostraram o desastre que representa Feliciano presidindo uma comissão de direitos humanos.
Daí começa a jogada da campanha difamatória pela internet, como forma de criar uma cortina de fumaça sobre a realidade destes fatos.

Quem deu início a essa campanha foi o Pastor Malafaia ao ressuscitar uma menção mentirosa a Jean Wyllys, informando que em entrevista concedida ao Jornal do Brasil ele teria feitos sérios insultos aos cristãos. (na imagem abaixo)
 Malafaia ressuscita factóide criado por ele próprio contra Jean Wyllys. Link da postagem direciona para site gospel tendencioso ao Malafaia, não existe a referida Matéria do Jornal do Brasil em edição impressa (como afirma Malafaia no primeiro tweet da imagem). O Jornal do Brasil deixou de circular em 2010 de forma impressa, Jean Wyllys concedeu entrevista ao Jornal já em 2011

O fato é que Malafaia pode ser facilmente descoberto em sua mentira a partir de suas próprias palavras, afirma que a entrevista, concedida em 2011, não estaria no site do Jornal do Brasil mas si na sua edição impressa. O fato é que o Jornal do Brasil parou de circular em sua versão impressa em 2010. O link postado pelo Pastor Silas Malafaia direcionava a um site religioso de caráter nitidamente tendencioso (e nesse caso, mentiroso).

Foi o suficiente para que os reaças de todos os credos passassem a divulgar a imagem do Jean Wyllys junto com a falas falsas da falsa entrevista. E isso se proliferou na internet de forma impressionante, mesmo com as postagens não contendo nenhum link para a postagem original (afinal ela não existe). Nesse sábado a acessoria do Jean Wyllys divulgou nota falando o qualquer pessoa com a mínima noção das coisas já sabia: as falas eram falsas e descabidas.

POR QUE AS PESSOAS PROPAGARAM ISSO?
Imagem com afirmações falsas atribuidas a Jean Wyllys. Divulgada a exaustão por perfís supostamente religiosos no facebook

Sinceramente não me causa espanto que os admiradores do Malafaia tenham espalhado uma notória mentira sem o menor complexo de culpa. A resposta disso NÃO está propriamente na religião ou religiosidade, por dois motivos: 1- alguém por ser evangélico não significa que necessariamente seja homofóbico ; 2- O Malafaia tem admiradores em todos os credos e até entre ateus (pasmem!!!), mas não é essa unanimidade entre os evangélicos que todos acham.

A questão vai além da religiosidade, muito além

Acho que as pessoas encontraram em personalidades como Silas Malafaia, Marco Feliciano e Jair Bolsonaro (para não ficar apenas na questão religiosa) figuras que servem como legitimadores do preconceito que já carregavam intimamente. Daí a notoriedade dessas figuras passa a ser um encorajador para que toda a corja de homofóbicos, racistas e anti-ateistas e etc. saiam do armário e sintam-se a vontade em declarar seus preconceitos. Para fugir da patrulha social eles alegam estar “exercendo o direito a livre-expressão”, como se insultar um grupo social fosse um direito. 

Hoje o radicalismo conservador perdeu totalmente e vergonha e não mede palavras contra aqueles a quem consideram uma ameaça. Daí alguém dizer que se deve “cair de pau nos gays”, ou que “a Aids é o câncer gay” ou ainda que os “africanos são amaldiçoados” são tidos como liberdade de expressão religiosa.

Esse tipo de cidadão não quer discutir pela razão, quer impor sua força apenas porque é maioria na sociedade. Não importa que a cada dia se prove que as falácias pseudo-científicas divulgadas por pessoas como Silas Malafaia, Marco Feliciano, Marisa Lobo são completas inverdades, não importa que não exista nenhuma razão plausível para proibir o direito das minorias, não imposta que esteja nítida a aliança entre a bancada religiosa no congresso e as forças políticas mais atrasadas do Brasil. Essas pessoas querem é impor a ideologia que carregam em seu “cercadinho mental”, aquela que eles adotaram apenas porque lhes era agradável e não por terem refletido de verdade sobre ela. 

A prova disso tirei em dois debates que travei no facebook. Nos dois casos chega a ser engraçado a semelhança nas respostas e como elas são sintomáticas daquilo que acabei de descrever no parágrafo acima: “e daí se ele estiver mentindo, isso é problema dele. Isso é incômodo/inveja sua.”

Ou seja: ele pode mentir livremente desde que minta em favor do meu preconceito.

É preciso ser justo que em um dos casos a pessoa, uma mulher, reconheceu o exagero em sua fala e me pediu desculpas (prontamente aceitas, além do mais conheço a pessoa e sei que ela não é chegada em mentiras), mas ainda sim insistiu em alfinetar que meu ranço era com os evangélicos em geral e não com os Malafaias e Felicianos da vida.
                                                               
OS FINS JUSTIFICAM OS MEIOS (E OS MEIOS DESMASCARAM AS REAIS INTENÇÕES)

Quando vejo fenômenos como esse acontecido essa semana penso que a questão não é de convicção religiosa, ainda que fosse não daria maior credibilidade a questão. A crença religiosa está sendo usada para camuflar as reais motivações dos asseclas das figuras que citei no texto acima. A religião sempre serviu como uma eficiente cortina de fumaça sobre os temas mais espinhosos e sobre as intenções mais escusas(o que já denunciamos neste blog aqui e aqui  ), daí não me espante que estes grupos ditos “religiosos” tenham coragem de mentir sobre um tema. Simplesmente porque suas motivações não são religiosas, são puramente homofóbicas, racistas, elitistas, a crença religiosa serviu apenas de embuste para que estas idéias pudessem ser faladas livremente.


Fico pensando se Jesus Cristo, caso voltasse a Terra, alimentaria um ódio tão radical contra gays, africanos, ateus, espíritas, entre outros. Será ele aceitaria mentir para difamar um opositor?
Com certeza não, mil vezes não!

domingo, 10 de março de 2013

Livros- "Eu Não Sou Cachorro Não" - Uma visão profunda sobre a música "brega" dos anos 60-70


O último livro que lí. Um trabalho fantástico do historiador Paulo Cesar de Araújo sobre como a música tradicionalmente tida como "cafona" foi muito mais politizada e tinha mas consciência social do que tradicionalmente se pensa. Também discute se a MPB glamourizada também não tinha seus laços adesistas com o regime militar.

"Eu não sou cachorro não" passa a realidade brasileira durante o auge do regime militar(1964-1978) através da produção musical "cafona" da época, mostra que a direita censurou, perseguiu e incomodou ao extremo artistas populares que hoje muitos chamam de "alienados". Cantores tidos covardemente como "bregas" eram perseguidos pelos militares e por setores conservadores da sociedade: Waldick Soriano e Odair José foram pródigos em causar escâdalo com canções que levantaram a ira da Igreja Católica, por exemplo.

Os irmãos Dom & Ravel, que foram achincalhados pela a esquerda como se fossem os artistas que eram a cara do regime militar, são retratados no livro como artistas politizados e críticos, mas que pelo patriotismo que tinham e pelo fato da ditadura militar ter se apropriado de suas canções foram retratados na história como se fossem covardes entusiastas do regime militar.

O livro também mostra o processo e ascenção da Rede Globo de Televisão e sua relação próxima com o regime militar e com a marginalização e o silenciamento dos cantores populares.

Em certa parte do livro discute-se uma visão aterrorizante (mas verdadeira) do golpe de 1964: de que o regime militar não foi exatamente a ação de uma minoria truculenta de militares e industriais da elite econômica sobre o povo, mas que o regime militar teve apoio de amplos setores sociais de todas as classes, inclusive de artistas e intelectuais tidos como "de vanguarda".

Enfim, um livro imperdível.




Outra hora eu consolido esse post

sexta-feira, 8 de março de 2013

O que penso sobre a morte de um jovem de 20 anos em Santa Cruz do Capibaribe

Pensei em ler algo, ouvir uma música, dedicar um tempo para a minha esposa...
Simplesmente não consigo fazer isso hoje
O assassinato de Áttila Souza simplemente acabou com minha noite
Me perco em vários pensamentos...
Todos de um enorme desamparo
É horrível sentir-se impotente, imaginar-se no lugar dos parentes dele

Pensar que se houvesse uma segurança decente nessa cidade, que importunasse bandidos e não o cidadão, talvez isso não tivesse acontecido.

Vou dormir me sentido derrotado... uma derrota que se tornou a cara dessa cidade.
Isso não é dos últimos dias, já é assim faz muitos anos.

Em 1999 fui assaltado, eu tinha 15 anos de idade.
Um dos bandidos, insastifeito por eu nada carregar de valor, encostou o cano frio da arma na minha cabeça... o comparsa dele pediu que ele não disparasse e ele desistiu
Fui salvo por um outro bandido...

Fina ironia...

É isso que me vem a mente agora; que um dia fui salvo da morte por um bandido, que num surto de misericórdia convenceu o comparsa a me poupar

Tenho 29 anos hoje, e as coisas continuam do mesmo jeito.
Só que hoje não houve nenhuma misericórdia daqueles que assaltaram Áttila

Também não há misericórdia daqueles que são responsáveis pela segurança. Daqueles que adoram armas, mas não protegem ninguém.Daqueles que são eleitos, no município, no estado e no país.

Pensar na segurança do homem comum significa tirar as pessoas da zona de conforto, incomodar gente graúda que prefere aumentar o muro da própria casa a pagar um imposto a mais. Que acha que pobre é tudo bandido, e que uma boa cidade se faz apenas trazendo dinheiro e riqueza para alguns.

Em Santa Cruz do Capibaribe, desde que me entendo por gente, a evasão escolar é enome, ninguém valoriza o estudo, o conhecimento. O importante é hostentar bens e símbolos de riqueza, mesmo que a prosperidade da cidade sirva de máscara para o desastre social que é Santa Cruz.

Santa Cruz onde as pessoas reclamam dos buracos nas ruas que atrapalham o passeio de carro, mas não reclamam de crianças trabalhando, da falta de escolas, e, principalemente, da falta de um poder público que seja pensado no cidadão comum.

Nossa cidade pensa nas empresas, nas obras que elegem políticos (mesmo com alguns comprovadamente corruptos), que se empenha nas rodadas de negócios. Pensa em aparecer nas festas da alta sociedade e onde se paga alguns milhares de reais para ser capa da revista que exalta a mesquinharia da burguesia medonha da cidade.

Santa Cruz só não pensa no cidadão comum

Não são apenas os políticos, não são os empresários, não somente "os outros"

Somos nós, que aceitamos um ideal de grandeza (que em parte é verdadeiro e em outro não), para esquecer o desastre que é essa cidade enquanto comunidade.

É só isso que tenho pra dizer.

Aqueles que não concordarem não se importem em responder a isso que eu escreví. Não me importo com o que vocês pensam, afinal, que teve compaixão por mim, um cidadão comum, foi um bandido numa noite de domingo em 1999