sábado, 31 de agosto de 2013

Os médicos viraram propaganda política para todos os lados



Realmente que é um risco trazer médicos de outro país para clinicar no Brasil. Não somos uma zona de guerra precisando de amparo a todo custo

Está claro que esse programa é uma grande jogada eleitoral do PT e da Dilma, é nítido vai ter um efeito demolidor nas próximas eleições. Ainda mais agora que a presidenta luta para se recuperar da gigantesca queda em sua popularidade (causadas pela enorme onda de protestos que só serviram para derrubar seus índices de aprovação).

Também é lógico que a solução para a saúde está em se ter um misto de recursos financeiros, gestão competente e transparência nas contas a fim de evitar corrupção. Que é necessário ao governo investir na formação de mais médicos, ampliar as vagas nas faculdades

O engraçado é que dias atrás era quase uníssono que os médicos também não ajudavam, que "mal olhavam na cara dos pacientes", que só se importavam com clínicas particulares, que eram preguiçosos e etc.

Boa parte dessas críticas aos médicos eram justas para a maioria, outras não.

Num pais como os EUA seria impensável um programa desses, pois saúde por lá, assim como quase tudo, é tratada como mercadoria . Se existem indivíduos que não podem pagar pro tratamento médico... paciência!! Essa parece ser também a mentalidade dos médicos brasileiros que se levantam de forma raivosa contra a vinda de médicos estrangeiros (especialmente cubanos): saúde é para quem pode pagar, ou para cidades que possam pagar (centros urbanos com razoável estrutura).

O fato é que, ao contrário da visão mercadológica, está cristalizado na visão do povo brasileiro de que saúde não é mercadoria, é, em sua visão, um bem social pelo qual o Estado deve zelar. (antes que alguém diga que isso é fruto de doutrinação esquerdista vale lembrar que a Inglaterra ultra-liberal de Margareth Tatcher privatizou quase tudo entre 1979 a 1990, mas não ousou tocar um único dedo no sistema de saúde pública inglês).

Essa noção de que saúde é um bem público torna-se uma sinuca de bico para os governos e governantes: de um lado ninguém teria coragem de defender a privatização da saúde abertamente, confessando a incapacidade do Estado e a sua enquanto administrador, de outro lado sempre encontram na saúde pública um calo na sua imagem política porque simplesmente o negócio parece não ter jeito. A realidade é que o povão, a massa eleitoral que decide eleição, pragueja sempre por um sistema de saúde decente que nunca existiu em momento algum e que não se sabe como atingir.

Quando uma parte considerável da população saiu em uma enorme onda de protestos pelo país o mantra "mais saúde, educação e segurança" era repetido exaustivamente pelos manifestantes de boutique que postavam orgulhosamente as fotos no facebook. É uma causa justíssima, claro, mas o fato é de que ninguém fazia a menor ideia de como produzir isso, as pessoas apenas queriam e bem rápido. Mesmo com esses problemas tendo profundas raizes históricas no Brasil quem pagou o pato foi o governo da Dilma, que acabou sendo o alvo dos protestos e sua popularidade despencou.

Esse fenômeno se deu por um problema muito comum presentes em quase todas os levantes de massa: o imediatismo. Quando uma turba humana se forma de tal maneira, exigindo mudanças sociais e políticas ainda que nesse caso ninguém soubesse bem sobre o que protestava, ela vai carregada da ilusória sensação de que a história é apenas um ato de vontade dos líderes ou do povo. Que é possível romper com um legado histórico enraizado apenas por tomarmos consciência de que ele é mal. É um pensamento infantil.
 Só para ficar em um único exemplo poderíamos pensar que se fosse assim as oligarquias políticas já teriam sumido faz tempo. Quem nunca ouviu alguém dizer "esse partidarismo é o atraso da cidade, isso tem que mudar"? No fim das contas o cara vai lá e vota em um dos dois partidos. Tomar consciência de um problema não torna possível sua imediata superação.
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Um dos efeitos de nossa formação social, pelo menos eu enxergo assim, é a nossa incapacidade de fazer as coisas coletivamente e também a nossa incapacidade de enxergar as coisas a longo prazo. Nossa cultura social e política, tanto de direita quanto de esquerda, não enxerga as mudanças como atreladas a processos maiores vigentes na sociedade, todos querem obras rápidas sejam elas obras de caráter social, estrutural ou administrativo. Uma obra rápida serviria como um xeque-mate diante de qualquer posição contrária as suas, quando o governo não consegue um xeque-mate o pensamento da oposição cresce.

O programa Mais Médicos não foi pensado de última hora, já ouvia-se falar dele a muito tempo, e é nítido que é uma estratégia do governo para maquiar o desastre que é a saúde pública no Brasil (desastre que não foi crido por ele, mas que foi mantido). No Brasil a maior parte dos hospitais públicos não tem a menor estrutura, faltam equipamentos básicos, faltam leitos, remédios e... médicos!!! Um processo para transformar a saúde pública no país demoraria uns vinte anos no mínimo (isso é só um chute meu), não se muda uma estrutura viciada com um estalar de dedos. 

Mas como disse antes a nossa sociedade não tem o costume de trabalhar em conjunto valendo-se de um ideal coletivo e de longo prazo; o povão gosta de obra, de hospital feito e de... médico! Pra ele não interessa de onde vem o médico, desde que tenha. Lógico que há uma clara desconfiança com a qualidade desses profissionais, mas desde quando os doutores brasileiros inspiravam confiança para o povo? Umas das coisas que mais vejo o povão reclamar é de profissionais que sequer olham na cara dos pacientes, do vício em receitar injeções e diagnosticar viroses e dar atestados de 10 dias... Para o povo os médicos também eram parte do problema, pois ainda está cristalizada na visão popular de que o médico deveria ser um indivíduo que trabalha por amor, que exerce um tipo de sacerdócio e, diante disso, a insensibilidade de parte substancial da classe médica torna-se chocante para o cidadão comum. 

Lógico que não estou condenando os médicos por essa postura desestimulada, o cara para ter motivação tem que ter condições de trabalho e dinheiro no bolso (como professor eu sei bem disso), não me venham com essa de "sacerdócio" pois até o sacerdote trabalha recebendo dinheiro. Sem estímulo qualquer um corre para a iniciativa privada pois ela paga melhor. Mas uma coisa nada tem haver com a outra; assim como um professor não pode usar o baixo salário e as más condições de trabalho para não exercer de forma compromissada e responsável sua profissão, o médico também não pode e as pessoas sabem disso e os cobram uma postura mais humana.

O fato é que a cegueira ideológica de quem é contra o governo não importa o que ele faça passou a tratar os médicos como "heróis da resistência", como se fossem todos almas caridosas que estão sendo constrangidos pelo governo. Existe um tipo de pessoa que cobra soluções rápidas pra tudo, que acha que o poder só não resolve problemas milenares porque não quer, que exige soluções rápidas mas que depois reclamam que essas mesmas soluções são grandes furadas (toda solução rápida para um problema grandioso é uma grande furada).

O fato é que o medo dos oposicionistas ao governo do PT é o impacto eleitoral de tal programa num ano de eleição como 2014. O problema para a oposição não é o emprego e a valorização dos médicos brasileiros (a própria oposição quando era o poder cogitou fazer programa semelhante [veja aqui]), o medo é de um impacto eleitoral avassalador, daí esse terrorismo, essa tentativa de desqualificar o programa já no seu início. Podem esperar chumbo grosso por parte da mídia ligada a oposição, haverá um sensacionalismo extremo. Se algum médico estrangeiro, especialmente cubano, cometer um erro vai dar capa de jornal, de revistão semanal, vai render matéria na televisão e isso numa proporção infinitamente maior do que é dedicada quando algum médico brasileiro do SUS comete algum erro. Vão tentar criar a ilusão de que a saúde pública era boa e quem estragou foram os médicos cubanos.

Como miopia ideológica pouca é bobagem ainda há a corja de trogloditas intelectuais que afirmam que esses médicos são guerrilheiros disfarçados que fazem parte de um projeto continental de comunismo tramado por Cuba com a conivência do PT (engraçado como um país pobre e subdesenvolvido tem um poder espetacular na imaginação delirante de certas pessoas). A esses nem se deve perder tempo respondendo, o que querem é que justamente seu delírio seja levado à sério.

Quanto ao PT ele está dando um golpe político certeiro, tá sabendo transformar o limão político que foram as manifestações em uma limonada. As pessoas exigiram respostas rápidas, o governo está dando. Lógico que o programa  não soluciona os reais problemas da saúde pública no Brasil: a falta de gestão. Mas o governo está sabendo se aproveitar do imediatismo popular para construir para si uma imagem de que é capaz de conseguir soluções para os problemas da nação. Se o programa der certo vai ser um ganho eleitoral gigantesco para Dilma, e se a organização da Copa do Mundo não for uma vergonha mundial e a economia se mantiver estável a reeleição da presidenta é líquida e certa.

Enquanto o abismo intelectual que marca nossa sociedade não for sanado soluções como essa encontradas pelo atual governo serão frequentes nas mais diferentes áreas. Não adianta reclamar ou se exaltar só porque se votou contra ou a favor do governo. O problema é que falta nas pessoas uma "visão de sociedade" e assim o potencial de um partido ou político é medido pela população pelos benefícios imediatos que podem trazer. Nossa sociedade é formada por pessoas que estão incapazes de discutir um projeto político mais complexo. Faça um teste: pergunte para alguém de qualquer idade, sexo e classe social o como funcionam os 3 poderes e quais as limitações de atuação de cada um, você verá que as respostas da enorme maioria é algo perto da sandice (uma aluna uma vez me disse que vereador era um "dono de bairro").

Os únicos que alimentam uma visão de sociedade são aqueles que defendem pensamentos autoritários como a volta da censura ou da intervenção militar no poder, trogloditismo puro! Eram esses que antes xingavam a a insensibilidade dos médicos e agora passam a tratá-los como "heróis defensores da liberdade contra o comunismo petista".

Enquanto isso as cidades pobres do Brasil continuam sem médicos.

Um comentário:

  1. Muito bom o fluxo de pensamento. E legal, gostei dos exemplos quase irônicos do final. Seu texto dessa vez se aproxima de outro público. Muito bem.

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