quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Nem mesmo uma leve sombra?

 
Carrego uma impressão(bem arbitrária, confesso) de que na disputa entre direita x esquerda a "direita" sempre existe a "esquerda" some em certos momentos, torna-se um mero arremedo de proposta política que de tão deformado torna-se impossível definir pelo que luta politicamente.
Acho que vivemos um momento assim no Brasil, todos os partidos grandes, com respaldo eleitoral, pendem para a direita, uns mais outros menos, mas pendem!
Quando vejo Lindberg Farias, ex-jovem-revolucionário-cara-pintada aliar-se ao Silas Malafaia para tentar vencer a eleição do Rio de Janeiro sinto que vivemos esse momento: a esquerda sumiu.
 Como a esquerda luta contra os "Status Quo" supõe-se que seja dela a missão de desafiar as elites, as oligarquias, de denunciar os mecanismos que camuflam a dominação exercida por certos grupos sobre o povo. Não é só uma questão de mera luta de classes, é uma questão de promover autonomia do povo. 
A maior das utopias é que um dia o mais reles cidadão tenha senso crítico suficiente para não se deixar manipular pela mídia, pelas igrejas "peque-e-pague", pelos sindicatos meramente cartoriais, pelos professores mal-intencionados. Ser de esquerda é querer que o mais simples porteiro, gari, marceneiro seja capaz de fazer os maiores representantes do poder teme-los, e esse temor não ser mero fruto de ódio irracional momentâneo, como nos protestos de junho/julho, mas seja fruto de um senso crítico presente nas massas, nos mais simples dos homens. Isso não se conquista meramente elegendo um partido ao poder. Não se conseguirá isso apelando aos mesmos que emburrecem e alienam, não da pra esperar da grande mídia, das igrejas, dos políticos profissionais, a solução dessas coisas pois ele se alimentam da alienação ululante.
Assim vivemos num momento que não temos esquerda. O importante é o poder e só, que se danem as reivindicações sociais. Qual oligarquia o PT desafiou? Qual grande mídia teve seus interesses feridos pela atuação do governo petista? Como os professores são tratados em estados aliados do governo? Onde o latifúndio foi confrontado? Onde o povo tornou-se real participante do poder? 
Para que se entenda como o caso de Lindberg Farias é simbólico no que se refere a ausência de esquerdas relevantes no país é só pensar em quem é o Silas Malafaia. Mais do que lembrar de que esse líder religioso é um personagem de ultra-direita, reacionário puro, que cospe ódio contra os movimentos LGBTT, contra os ateus e que nas últimas eleições rebaixou a discussão política a mera discussão moralista-religiosa (onde acusava vergonhosamente Dilma de ser ateia, abortista e onde execrou o nome de Marina Silva por ela se recusar a curvar-se diante de sua agenda intolerante, isso a beira de um 2º turno com a candidata do PV quase passando Serra), é preciso também ver quem é esse sujeito como pastor, como líder religioso.
Malafaia é um expert em enganar os fiéis com a sua pirotecnia teológica-gospel. Desceu ao nível da vigarice religiosa mais baixa possível com as suas famosas "unções financeiras de R$ 900" (valor módico, hein), seus "trizimos da casa própria", suas bíblias de "batalha espiritual e vitória financeira", ou ainda com a sua promoção baixa de pseudo-ciências e defesa da horrenda causa da "cura gay". Isso entre outros fatos pouco lisongeiros...
Fico a pensar: que esquerda é essa que busca apoio justamente daqueles que mais alienam o povo? O caso não é só o Malafaia, que antes era um inimigo declarado (na verdade ainda é inimigo declarado de Dilma e do PT, se não é no Rio de Janeiro é porque deve haver algum interesse talvez pouco republicano).
A direita brasileira sempre utilizou dessas táticas baixas de perversão do discurso político para desqualificar o PT eleitoralmente, o que era um sinal de sua clara crise, da ausência de propostas, do seu fracasso político. Em 2010, na campanha Dilma X Serra, o desespero da direita nacional a fez cair numa cruzada teocêntrica contra o PT, com deturpações, mentiras deslavadas (como o caso do "satanismo" de Michel Temer, ou de que Dilma era ateia e que "zombou de Deus), com aliança junto a Assembleia de Deus, CNBB, grupos reacionários católicos, demais igrejas pentecostais, todas em coro uníssono de que  Dilme e o PT eram o "partido do demônio" e "inimigo dos cristãos". O fato é que Dilma e principalmente o PT venceram esse mar de obscurantismo, não que isso limpe a ficha do Partido dos Trabalhadores, mas foi uma vitória histórica e heróica.
Hoje parece que o PT e seus aliados  mais tradicionais definharam de vez nesse mar de obscurantismo. Claro que as contradições já vinham de antes, com acordos espúrios para manter a frágil governabilidade, mas dessa vez o PT está escolhendo tornar-se um partido indefensável, está destratando seu legado de inclusão social, estabilidade, crescimento econômico e luta pela erradicação da miséria ao atrelar-se aqueles que lutam contra autonomia das pessoas.
 
 Indico também artigo do deputado Jean Willys sobre a pavorosa aliança Lindberg/Malafaia
 " A transparência do mal" por Jean Willys, na Carta Capital
Uma frase muito repetida e cuja autoria é atribuída a Confúcio – embora não se saiba ao certo se é mesmo dele – diz que “uma imagem vale mais que mil palavras”.  Ainda que existam palavras que mil imagens não consigam traduzir (“honestidade” é uma delas!),  trata-se de uma verdade válida para a maioria das imagens, inclusive para a fotografia de um culto evangélico que circula pelas redes sociais e que veio parar em minha caixa de e-mails no fim de semana.  Nesse flagrante fotográfico, o senador Lindberg Farias (PT-RJ) aparece “orando” ao lado do pastor e empresário Silas Malafaia: uma imagem que diz tanto quanto todas as palavras de O príncipe, de Maquiavel, ou Fausto, de Goethe.
Não é segredo para ninguém que o senador Lindberg Farias é pré-candidato do PT ao governo do Rio de Janeiro. E que sua pré-candidatura ameaça a aliança sempre conflituosa - sempre por se romper a qualquer interesse privado não atendido – entre seu partido e o PMDB, sigla que no momento não só governa o Rio, mas tem a vice-presidência da República, além de presidir as duas casas do Congresso Nacional.  O atual governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, mesmo sucumbindo a uma impopularidade sem precedentes, fruto de denúncias de corrupção em sua gestão, não quer a candidatura de “Lindinho” e pretende eleger seu vice, Pezão, a qualquer preço. Ameaçado pelo impacto negativo de sua pré-candidatura na aliança nacional entre PT e PMDB e sentindo que esse impacto se amplia na medida em que a parceria entre Marina Silva e Eduardo Campos emerge como a possível aposta da “grande mídia” para eleições do próximo ano, Lindberg decidiu pôr a alma à venda em busca de força para sua empreitada. Ora, se o fato de se pôr a alma à venda já suscita um debate sobre ética, imaginem quando a alma é oferecida a negociante que costuma pagar pouco e pedir mais que alma!
Todos sabem como Silas Malafaia se comportou nas eleições de 2010 em relação à então candidata do PT Dilma Rousseff. Em conluio com José Serra, candidato do PSDB, ele demonizou a petista e reduziu o debate eleitoral a uma agenda moralista - quase fascista – que obrigou os principais candidatos à presidência a se colocarem contra os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e contra a cidadania plena de homossexuais. Não contente, nas eleições do ano passado, Malafaia tentou derrubar o candidato do PT à prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad, com a mesma estratégia de demonização e rebaixamento (aliás, o apoio do pastor ao candidato do PSDB me levou a sair em defesa de Haddad mesmo contra a vontade de meu partido).
A militância petista teve ânsias de vômito quando viu imagens de José Serra em cultos evangélicos, acompanhado de Malafaia, proferindo expressões cristãs – “A paz do senhor, irmão” – que, em sua boca, soavam tão naturais quanto um pacote de Tang. O que essa mesma militância estará dizendo de seu senador?
A foto de Lindberg orando ao lado de Malafaia me fez lembrar das lições de Roland Barthes na memorável A câmara clara, obra que li para a disciplina Fotografia quando cursava Jornalismo nos idos anos 90. Nela, Barthes elabora dois conceitos - Studium e Punctum  - para se referir a dois modos de envolvimento com a fotografia. O studium corresponde a uma “leitura” da fotografia por meio de critérios e objetivos definidos; uma espécie de crítica intelectual da imagem a partir de um repertório cultural. Posso dizer, então, tendo em vista o studium da foto em que o senador do PT aparece “orando” ao lado do pastor fundamentalista e boquirroto, que a mesma revela um “fenômeno extremo” da contemporaneidade: o abraço eivado de cinismo entre o marketing e a política.
A expressão “fenômenos extremos” é utilizada pelo filósofo francês Jean Baudrillard, em seu excelente A transparência do mal, para se referir aos episódios da atualidade que correspondem à substituição do real por “simulacros”. A foto da conversão de Lindberg não é só um “simulacro” do real mas, antes, uma simulação descarada. Nela, o mal – a mentira, a enganação, o oportunismo, a desonestidade intelectual, a venda da alma ao diabo - é transparente a quem quer que se preste a “ler” seu studium.
Já o punctum é, segundo Barthes, algo que, na imagem, toca-nos independentemente daquilo que, nela, vemos de imediato ou buscamos. Nas palavras do autor, o punctum é “um detalhe”; “são precisamente pontos”; “pequena mancha, pequeno corte” [na fotografia]. Trata-se de uma “leitura” não-intelectualizada da imagem; intuitiva; um ponto na foto para o qual o olho se dirige quase contra a vontade; um traço notado mesmo que tudo na foto chame mais atenção que ele. Varia de acordo com o leitor. Para mim, o punctum da foto de Lindberg “orando” ao lado de Malafaia é o riso mal-disfarçado de ambos. Ambos têm consciência de que estão enganando um eleitorado que não por acaso é chamado e tratado como “rebanho” pelo seu pastor. Esforçam-se para parecerem convincentes – e tudo na foto reforça a verossimilhança da cena, inclusive o nome “Jesus” ao fundo. Mas o punctum os desmascara e revela o riso da serpente.
 

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