domingo, 21 de julho de 2013

SÓ EU E MEUS LIVROS DE HISTÓRIA



Julgar alguém por suas opiniões, pelo seu direcionamento religioso e filosófico, pelo seu estilo e gosto pessoal é um terreno altamente movediço. Geralmente se elogia quem tem posição próxima das nossas e se critica quem se coloca nos lados opostos. Quando se é muito apaixonado por uma idéia e se defende ela enfaticamente, perdendo a autocrítica, muitas vezes é comum que seus partidários considerem os outros como idiotas, atrasados, alienados, fanáticos, imbecis, insensíveis, etc.  Assim é comum que algumas pessoas vivam em guerra constante contra a ideologia antagônica a sua simplesmente partindo para ataque ao adversário.  Isso não é um fenômeno para ignorantes, tem muita gente intelectualizada que vive de xingar seus opositores. Desse modo alguns ateus acham religiosos um bando de idiotas e alguns (muitos) religiosos acham os ateus uns “metidos”, “arrogantes”, “imorais”; direitistas e esquerdistas trocam insultos como “alienado”, “fascista”, “medíocre”; Bocas Pretas e Taboquinhas acusam-se mutuamente de fanáticos e etc.

Nessa troca de acusações muita verdade é dita por ambos os lados, mas o saldo final é de uma desaforada troca de bravatas. Me espanta que muita gente que considero inteligente caindo nesse expediente que em outras épocas também já caí. 

Meu saco pra discutir idéias começou a encher depois de uma discussão no facebook sobre a interferência religiosa na política e nas leis, onde um indivíduo entrecortava sua argumentação (bem coerente por sinal) com insultos gratuitos dirigidos a mim e meus pares (os ateus) como “intolerante”, “totalitário”, “burro”, “estúpido” entre outros. Pra esses tipos de pessoas, que se apegam demais as próprias opiniões a ponto de perder a auto-crítica e o bom senso, não basta argumentar é preciso atacar, humilhar, devassar o adversário. Enfim, o irracionalismo reina soberano.
Mas onde quero chegar é que, apesar de minha crítica ao linguajar agressivo, existe um indivíduo que pode, ao meu ver, ser considerado realmente um idiota no sentido de alguém que renunciou a sua razão na hora de formar suas concepções.  É a figura que defende idéias que o prejudicam, ou prejudicariam caso fossem aplicadas, como se fossem a salvação redentora para combater aquilo que ele considera como mal. Não bastando defender a própria ruína, é comum que surjam “polemistas” que defendam idéias que prejudicariam um grande número de pessoas (das quais ele próprio não estaria excluído).

Assim são os “jovens-conservadores”, os “homossexuais protestantes”, as “feministas católicas”, os “socialistas que votam em oligarquias”, “os democratas militaristas”, os “cientistas criacionistas”, as “mulheres machistas” etc.

Vivemos uma época em que as pessoas lutam apenas por aceitação social, ainda que isso signifique ir contra a sua mais essencial individualidade. A moda não é questionar, a moda agora é aderir, nem que pra isso tenha que se fazer um exercício de argumentação que, na ânsia de harmonizar a necessidade de aceitação pela sociedade com o seu verdadeiro "eu", termina por chegar ao ridículo.

Assim vemos uma juventude que desfruta de uma liberdade jamais imaginada antes simpatizar com ideologias políticas conservadoras e reacionárias (que voltaram a moda com tudo nos últimos anos). Vemos homossexuais tentando aliar sua luta por direitos com uma religiosidade baseada num livro que ordena seu apedrejamento  e os chama de “torpes” (já ví uma parada gay onde se cantou “Faz um milagre em mim” quase como se fizessem para seus algozes um pedido de permissão, ou de desculpas, para existir). Vemos mulheres ditas Católicas defendendo o direito ao aborto (o tal “Católicas pelo direito de decidir”). Temos biólogos, paleontólogos e historiadores que dizem não acreditar na Evolução (mas usam suas graduações e o respeito que elas transmitem para defender idéias sem a menor fundamentação científica). Temos pseudo-intelectuais que dizem que o fascismo era de esquerda e que a ditadura militar salvou o Brasil do comunismo e que naquela época não havia corrupção (precisa comentar?!)

Dois casos cotidianos me chamaram a atenção nos últimos dias. No primeiro uma senhora conhecida minha, costureira, fazia um discurso enquanto conversava com uma amiga no supermercado:

“sabe, eu detesto esse negócio de conselho tutelar. Agora não pode nem dar uma ‘lapadas’ nos meninos mais. Não pode botar eles pra trabalhar, pra ajudar com um dinheirinho nas contas da casa. Fica em casa vagabundando, só vai pra escola e depois não faz mais nada. Depois vira tudo traficante e sai matando por aí”

Depois de ouvir isso comecei a pensar que se a vontade dela fosse aplicada e as crianças pudessem trabalhar independente da idade talvez ela fosse a primeira a perder o emprego. Qual patrão, caso o trabalho infantil fosse legalizado, hesitaria em empregar uma criança, que não tem noção exata do valor do dinheiro e assim poderia trabalhar mais barato, para um trabalho repetitivo e de fácil aprendizagem como costurar e demitir um adulto (talvez ela própria) com uma família para sustentar  só pra aumentar a margem de lucro?
Me arrisco a dizer que a senhora que falou isso não teve uma boa educação escolar nas áreas de sociologia, história, filosofia, etc.,  se teve então resolveu desprezar isso completamente na hora de formar sua opinião. Uma boa aula sobre Revolução Industrial poderia servir, ou não...

Outro caso foi quando vi uma amiga de longa data divulgar no facebook o vídeo “Como ser submissa a uma pessoa omissa” (assista abaixo). Essa amiga é tem formação superior, fala três idiomas, tem leitura e capacidades intelectuais suficientes para saber valorizar a posição que a mulher conquistou na sociedade. Mas ela prefere repercutir um vídeo onde Ana Paula Valadão e outras líderes religiosas femininas ensinam que bom mesmo pra mulher e ser dependente de um homem, que o importante é saber pregar um botão  na camisa do marido, e que se a mulher preferir adiar o casamento para construir uma vida profissional sólida vai acabar casando com um patife aproveitador qualquer.

Depois do minuto 2:30 começa o "espetáculo"
 
Fico pensando se essa minha amiga dá algum valor ao que passaram as primeiras mulheres operárias que iniciaram o processo de emancipação feminina; se compreende a importância da luta das sufragistas dos séculos XIX e XX que lutaram para que ela pudesse votar, se entende o que realmente representou a revolução sexual dos anos 60-70 (que foi algo muito além do campo da sexualidade). Acho que ela deve fazer alguma idéia disso e deve perceber que vive em um momento positivo único para as mulheres na história, mas prefere defender e propagar que o bom mesmo pra mulher é ser escrava do lar, pouco escolarizada e pregadora de botões. Uma boa aula de História talvez fosse útil... ou não!

Diante dessa realidade onde as pessoas vivem numa corda bamba entre serem verdadeiras com si próprias ou terem plena aceitação social fico imaginando se vale a pena ser professor. Numa realidade onde as pessoas tentam harmonizar  o impossível e onde defendem suas idéias na base do ataque ao interlocutor. Onde quase ninguém toma uma posição clara sobre as coisas, e aqueles que tomam o fazem desprezando o conhecimento, a lógica e o bom senso.

Talvez a chave para entender essa época em que vivemos esteja em perceber que ela se pauta num jogo que alia o imediatismo e a ausência de reflexão.  Essa combinação leva populações inteiras a defender idéias que as prejudicam, que historicamente já se mostraram grandes furadas, mas as pessoas continuam a defender e partem ao ataque a quem não se rende a esse prato-feito.

Sinto-me melancólico com isso. Talvez só se venha a conseguir uma tradução mais coerente para os dias atuais daqui a uns 40,50 anos... quem sabe?

Enquanto isso eu fico só com meus livros de História

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