domingo, 28 de julho de 2013

PAPA, PROTESTO, OPINIÃO E INSULTO (e a arte de perder a razão publicamente)






Num texto anterior falei sobre aqueles que perdem totalmentea auto-crítica em suas opiniões e partem para o insulto contra os seusopositores.  Uma das manias mais irritantes dos tempos atuais é as pessoas insultarem-se umas as outras e chamarem isso de “liberdade de expressão”. Não é a toa que os ídolos dos mais diversos segmentos sociais são aqueles que sempre estão ávidos em atacar a insultar seus adversários. Silas Malafaia é o ídolo do movimento neo-pentecostal devido seu costume de insultar aqueles de quem não gosta (comparou gays a bandidos e disse que ia “arrombar”o movimento LGBT), Marco Feliciano insulta todo mundo: gays, negros, mulheres, etc. e não falta gente para defendê-lo. Na imprensa tem destaque quem vive de vomitar insultos, gente do tipo de Diogo Mainardi, Reinaldo Azevedo, Paulo Henrique Amorim, etc., são o tipo de jornalista que são adorados por oposicionistas ou governistas apenas porque vivem de insultar os adversários. Daí se formam torcidinhas organizadas que repetem  os insultos de seus ídolos.

O problema surge quando quem deveria apelar para a razão cai no mesmo expediente de querer chocar, provocar e rotular.  Quem tem idéias diferentes, quem representa minorias, quem desafia preconceitos, tem que ser o primeiro a apelar para a razão. O insulto e a provocação acabam servindo ao opressor na sua ânsia de legitimar sua opressão.

Mas certos grupos de minorias repetem os erros de seus antagonistas ao preferirem insultar do que convencer,  provocar ao invés de aproximar, agredir ao invés de dialogar. Assim acontece com o movimento ateu de internet, que gasta tempo e energia provocando os religiosos no lugar de promover valores humanísticos e denunciar os abusos contra o Estado Laico. Fazendo isso só se alimenta o preconceito aos ateus e obscurece a causa.

O problema é que todos os grupos sociais, majoritários ou minoritários, então contaminados pela lógica do insulto.

Eu já esperava esse frenesi enorme com a vinda do Papa Francisco ao Brasil. O cara é carismático, simpático, traz uma face humana e carinhosa que nem de longe esteve em seus dois antecessores. Francisco teve o mérito de perceber que o problema da Igreja era a sua indiferença quanto aos pobres, algo que já tratei em outro texto, e também soube desarmar potenciais opositores (chegou a dizer que ateus podem ir ao céu). Mas o acerto do Papa Francisco não está no que ele fala, mas sim na forma como fala. Ele é populista na medida certa, fala mansa e carinhosamente para reafirmar dogmas da Igreja que eram repetidos com ares de severidade por seus dois antecessores, o que inflamava o debate.
Não há como esperar grandes aberturas do senhor Mário Jorge Bergoglio, ele é conservador e já mostrava um certo reacionarismo antes de ser Papa (veja aqui). Assim pode se esperar as mesmas posições de antes da Igreja sobre camisinha, anticoncepcionais, células tronco, aborto, divórcio, descriminalização das drogas, etc. Mas diferente de seus antecessores, Francisco não joga gasolina na fogueira incitando os ódios, ele se destaca pela aparente mansidão. Ao evitar que os ânimos se inflamem o Papa espera que o adversário perca a postura e parta para o ataque.

É difícil discutir abertamente com uma instituição que é movida por dogmas, que não importam o que digam a razão e a ciência sempre reafirmará basicamente as mesmas coisas. Não há diálogo contra o dogma, o dogma é uma imposição e é por definição algo irracional, no qual as pessoas devem acreditar e devem evitar até de ouvir posições contrárias. Discutir contra quem pensa dogmaticamente é burrice, nenhum argumento é válido a uma mente dogmática (vale dizer que dogmatismo não é uma característica exclusiva da religião, basta ir a uma faculdade e ver  que não falta dogmatismo e doutrinação por parte de professores).

Um dos efeitos do dogma é que ele inevitavelmente levanta rancores, pois é insensível. Como defender racionalmente que uma família pobre deve ter 10,12 filhos? Como sustentar  uma mulher estuprada deva dar a luz a um filho do estuprador? Que alguém com uma doença degenerativa deva recusar o tratamento com células-tronco embrionárias? Que casais com completa incompatibilidade tenham que conviver juntos forçadamente a vida toda?
Assim os grupos que são forçados a se chocar contra a doutrina da Igreja entram num debate inflamados pelo sofrimento que essa mentalidade dogmática provoca. Não é para menos...
O problema é quando se rompe a barreira do protesto, do confronto, e se chega ao nível do insulto e da perda total de razão. Esse é o risco que se corre.

Hoje um grupo de feministas com o nome de “Marcha das Vadias” promoveu um espetáculo dantesco nas ruas do Rio de Janeiro (veja aqui), onde simulavam masturbação com símbolos sacros em via pública, sem contar que estavam praticamente nuas (alô, polícia?). Foi o suficiente para que os ânimos se inflamassem nas redes sociais. Não posso tirar a razão de quem se ofendeu, foi uma putaria sem tamanho, um desrespeito descomunal, que apenas causou escândalo e não chamou a atenção de absolutamente ninguém para as questões do machismo e do sexismo (em muito sustentados em ideologias religiosas). Prestou um desserviço para a causa da igualdade entre gêneros.

Não se trata de desmerecer a causa, se trata de ter bom senso. Ao atacar o opositor promovendo escândalo se está apenas sendo idiota e não um militante. Se é ridículo um pastor chutando uma imagem de uma santa, se é ridículo perdoar pecados pelo twitter, é igualmente ridículo insultar a crença alheia esfregando crucifixos na vagina.
Aliás, mais do que ridículo isso é crime. 

É de doer na alma ver que quem deveria estar chamando o debate, encarando o  duelo da crítica e promovendo a conscientização das pessoas prefere tratar os opositores como inimigos e profanando-os publicamente. Assim perde-se a moral de criticar aquilo que se considera errado na Igreja. Na verdade dessa maneira se perde a moral para tudo.
O protesto pode ter humor, pode ter as palavras de ordem, pode ter a denúncia em voz alta, pode ter toda a rebeldia e indignação possíveis, mas não pode ter estupidez, não pode ser um insulto gratuito.
É preciso lutar promovendo o bom combate, quem está do lado da razão, do conhecimento e da tolerância não deveria ter nada a temer, nem agir motivado por ódio e rancor. 

Enquanto isso o Papa Francisco vai transformando os dogmas mais conservadores da Igreja em uma música agradável para os ouvidos das pessoas.

3 comentários:

  1. - Não vou comentar sobre o artigo em seu conteúdo, concordo em unanimidade, apenas parabenizar pela feita.

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  2. A conclusão para as pessoas do lado de cá é amedrontadora.

    "[..]vai transformando os dogmas mais conservadores da Igreja em uma música agradável para os ouvidos das pessoas."

    Mesmo assim é preciso refletir sobre esse burburinho de repostas insensatas a tudo que nos rodeia. Parabéns. Extremamente laico.

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  3. Muito bom como você descreveu dogma é dogma aceita quem quer mas vale a pena a reflexão.

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