domingo, 3 de fevereiro de 2013

O dia 14 de Março de 2001




Eu não nasci tricolor coral das bandas do Arruda, triste destino. Durante a mais tenra infância até a adolescência fui doutrinado por meu pai a torcer pelo Palmeiras, tinha camisa, boné bandeira, etc. Meu pai me levava para ver o time palestrino em todos os jogos próximos, em 1993, então eu com 9 anos, meu pai me levou pra assistir em Salvador uma final de Campeonato Brasileiro entre Palmeiras x Vitória. O velho era, e ainda é, viciado no Palmeiras, herança dos seus tempos de metalúrgico em São Paulo no fim dos anos 70.

Amo muito meu velho, e guardo com carinho os jogos que fui com ele, menos pelo Palmeiras e mais por ter estado perto do meu pai nesses momentos que ele valorizava, mas não posso negar que minha vida futebolística sem o Santa Cruz Futebol Clube foi uma grande perda de tempo.
Nasci nos tempos que as parabólicas invadiram o interior do Nordeste, daí só dava pra ver o futebol de Rio e de são Paulo mas quando chegou aos meus 15, 16 anos a coisa começou a ficar muito sem graça. Comecei a achar ridículo torcer pra um time do sul, sentia-e colonizado pela mídia sulista, passei a ficar meio decepcionado com futebol. 

Até que no dia 14 de Março de 2001 eu encontrei aquilo que me faltava...

O campeonato Pernambucano daquele ano tava quente, atraindo público, e eu resolvi assistir os jogos do Central pra ter o que fazer em Caruaru quando matava as aulas no colégio. Numa terça-feira havia o jogo do time do povo, no dia anterior as camisas corais enfeitavam a rua, os alunos do Sete falavam tanto sobre a partida que me animei e resolvi ir. Um colega meu me falou:

                - Tu vai ver a torcida mais bonita do mundo hoje 

Ele não poderia estar mais certo. Chegando no estádio passei a me impressionar com a vibração daquele povão vestido de encarnado-preto-branco, com a maneira carinhosa e apaixonada como se referiam ao Santa cruz FC. Na arquibancada lotada do estádio Lacerdão em Caruaru eu já estava envolvido pela massa, a pele arrepiava com os cantos da torcida. O mais interessante era ver quem fazia parte daquela multidão: gente de todas as classes, de todas as raças. Haviam naquela arquibancada ricos que haviam comprado a camisa oficial no dia do jogo e pobres que tinham a mesma camisa pirata surrada de anos, todos se abraçando, cantando as mesmas canções, comendo espetinho e tomando Pitú. O Santa faz o mais rico aristocrata sentir-se feliz por ser povo...

A partida começa e ao meu lado na arquibancada há um senhor idoso, grande barba grisalha, usando uma camisa tricolor muito antiga e de um tecido grosseiro, cabelos crespos e muito curtos. As marcas de expressão no rosto e um olhar distante denunciavam que aquele homem já havia visto e vivido muita coisa na vida. Era nítido que se tratava de alguém muito pobre, mais um da massa de excluídos do país. Ficou ao meu lado e permaneceu calado durante todo o primeiro tempo mas com os olhos vidrados em campo. Chega o intevalo, ofereço um espetinho, e ele aceita satisfeito, agradece a gentileza com um gesto de cabeça mas permanece calado. Passo o intervalo escutando os torcedores corais reclamando do time e do jogo que se arrastava em 0x0. 

Começa o segundo tempo, o povão se agita o Santa Cruz melhora e aos 9 minutos a arquibancada explode num barulho ensurdecedor, Santa faz 1x0. Nesse momento o pobre velho ao meu lado se abraça comigo e grita:
                - Gol do Santa, meu filho!!!!!Gol do Santa!!!! Graças a Deus!!!  Graças a Deus!!!!

Quando me recomponho da alegria do gol olho para o velhinho e ele chora emocionado, as lágrimas descem fartas de seus olhos, naquele momento eu me tornei tricolor.

O jogo terminou 1x0 para o Santa, lembro que durante a saída do estádio eu me perdi do velhinho, queria saber o nome dele, o que fazia, mas nunca mais o vi.
Fui pra casa impressionado com a grandeza daquele clube, daquele povão vibrante, eu mal conseguia dormir. Passei a noite lembrando daquele senhor, nitidamente alguém que deve ter passado por muita coisa, um pobre que luta pra sobreviver diante da miséria e da indiferença, um daqueles que o individualismo e a insensibilidade social o transformaram numa figura que de tão anônima passou a ser invisível. Mas ele estava lá no meio da multidão, chorando emocionado com o gol do Santa, sentindo-se por uma noite como um rei. Toda uma vida sofrida ficou minúscula diante da vitória tricolor e um coração calejado encheu-se de alegria por uma noite. Ele deve ter ido encarar a cruel realidade no dia seguinte com muito mais coragem e altivez.

Toda vez que vou ver o Santa jogar, que subo as arquibancadas, lembro-me daquele senhor que com pouquíssimas palavras me traduziu o que é torcer para o time do povo, o clube que nunca excluiu ninguém, que foi o primeiro de Pernambuco a aceitar negros e pobres vestindo sua camisa, que quando é campeão o povo sente-se como protagonista de uma verdadeira revolução popular.

Somos o time do povo, da massa, daqueles que lutam bravamente todos os dias pelo seu sustento, um clube que se tornou vencedor e o mais popular  não pelo poder do dinheiro das elites que usam o futebol para distrair a massa de seus direitos e dos problemas da sociedade, mas pela raça daqueles que trabalham duro, que vivem a realidade dura e cruel, vão todo domingo ao Arrudão incentivar o clube das multidões a calar a boca das elites. No torcida do Santa Cruz o mais rico aristocrata pode vir sem problemas, mas tem que se tornar povo, tem que falar como o povo, tem que lutar ao lado do povo.

Parabéns ao clube das massas mais apaixonadas e a aqueles que o seguem e sustentam, os torcedores, são 99 anos vivendo a alegria cotidiana de ser Tricolor-Coral.

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