domingo, 30 de dezembro de 2012

COMO ELE FOI ELEITO? (impressões sobre como um desastre anunciado não pôde ser evitado)



Nota 1:  esse texto, assim como todos os textos deste blog, é escrito de uma única tacada, sem muito refino ou revisão. Escrevo da maneira como a idéia sai na hora pois não disponho de muito tempo para editar e corrigir, daí então ser comum que existam pequenos erros de pontuação, repetição desnecessária de palavra.

Nota2: meu blog não tem a mínima pretensão de ser científico, é só uma tribuna onde prego no deserto as minhas idéias. Apesar de que em alguns textos meus há uma clara influência dos livros que li em minha vida acadêmica, eles (os textos)são opiniões particulares não devendo ser confundidos com artigos de ordem científica,ou verdades pretensamente absolutas. A enorme introdução que pretendo fazer é baseada em algumas leituras estudos que vivi, mas não está sistematizada a ponto de ser chamada de “científica”.

Nota3: a intenção do blog não é insultar ninguém, mas promover uma discussão para aqueles que se aventurarem em ler o texto. Interpretações equivocadas não são culpa minha.



COMO ELE FOI ELEITO? 

O maior choque de realidade que a política me impôs foi a vitória esmagadora de Toinho do Pará para a prefeitura de Santa Cruz do Capibaribe em 2008. Pela primeira vez fiquei realmente afetado com o resultado de uma eleição, passei a pensar sobre o impacto social da democracia e a maneira como o cidadão comum maneja em sua cabeça o que é a política.

Para entender o que quis expressar no parágrafo acima é importante tomar nota de algumas considerações:

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS

É comum que grupos detentores de alguma forma de poder ou de conhecimento específico demarquem um “limite de atuação” claro que impeça membros de outros grupos de estabelecer uma crítica consistente sobre eles. É uma estratégia interessante no sentido que agrega valor aos membros deste determinado grupo, uma vez que pessoas de fora que venham a depender deste poder ou conhecimento estão em situação de total vulnerabilidade aos detentores deste mesmo conhecimento. Em outras palavras podemos dizer, a título de exemplo, que é como se um grupo social transformasse seus saberes  em algo indecifrável para aqueles não fazem parte do meio, e caso estes venham a precisar destes conhecimentos entram nestes espaços determinados em posição de quase completa subserviência e dependência, tornando-se vulneráveis as vontades daqueles que dominam tais práticas.

A estratégia consiste então em transformar certos conhecimentos em linguagens que seriam indecifráveis pelo cidadão comum. A intenção é fazer claramente com que ele não entenda como se tramitam e resolvem as questões relativas a esses saberes específicos, tornado se assim, caso necessite utilizar destes conhecimentos, em uma figura que entra nessas questões em total espaço de subserviência e dependência. Isso agrega valor aos membros deste grupo. É como se a ética dos mágicos, que guardam a sete chaves os segredos da sua profissão, fosse vivenciada por quase todos os grupos sociais estabelecidos e percebidos como tais. Advogados guardarão para si e seus pares os segredos do Direito, médicos também farão o mesmo em suas áreas de atuação, assim como se sucede com acadêmicos em geral, professores, economistas, entre muitos outros e, é lógico, os políticos.
Sem entender como se tramitam e resolvem as questões relativas a esses grupos, o indivíduo médio torna-se, caso venha a necessitar de algum destes conhecimentos, em uma vítima indefesa dos membros destes grupos.
Para exemplificar o que citei acima é só pensar que a linguagem utilizada por advogados, juízes e economistas, bem como as regras de atuação específicas a esses segmentos são indecifráveis para um leigo, tornando quase impossível que este possa entender por simples associação de idéias os temas tratados pelos membros destes grupos. Qualquer um que conversa com advogados ou economistas, só pra ficar em dois exemplos, entende pouca coisa sobre o que falam esses dois profissionais devido estes saberes serem dotados de uma linguagem específica feita para serem dominadas exclusivamente por seus membros, não pela pessoa comum. Assim aqueles que necessitarem da atuação destes profissionais tornam-se quase que reféns deles.

É importante lembrar que dentro destes grupos detentores de um conhecimento específico existem vários pontos de vista, disputas ideológicas, discordâncias e rivalidades por vezes extremas, mas essa linguagem (que é adotada por todos os membros numa clara ação corporativa conjunta) faz com esse grupo pareça coeso e detentor de uma verdade única das quais os não-membros são dependentes.

Calma que vamos chegar em Toinho, paciência...

A classe política também se encaixa nesse conceito de expressei anteriormente. Alguns podem discordar e dizer que os políticos não são um “grupo social específico” uma vez que os que ocupam os cargos são representantes de segmentos sociais por vezes antagônicos, que não caíram de pára-quedas cargos que ocupam pois para isso antes tiveram que ser eleitos pelo voto, ou que a política numa democracia representativa é expressão maior da vontade do povo. Tudo isso são balelas. A classe política se reconhece como tal e, a despeito de suas infinitas diferenças ideológicas internas, cria toda uma blindagem para sua atuação através da elaboração de uma linguagem específica e de toda uma série de trâmites que impeçam o cidadão comum de discutir de forma coerente a ação dos poderes políticos instituídos. A ação parlamentar, o texto das leis, o tecnicismo das falas, entre outras estratégias, são formas de impedir esse homo vulgaris em ter uma inserção autônoma no espaço da política.

Mas a classe dos políticos até pode criar maneiras de impedir um conhecimento profundo da política, mas não pode impedir as populações (essas massas supostamente “incultas’) de criar seus próprios sentidos para a política, assim como criam seus próprios sentidos para outras coisas. 

Num contexto onde a política é feita justamente para que as pessoas não entendem, mas onde, paradoxalmente, elas são obrigadas por lei a participar não há como impedir que as populações driblem essas proibições não declaradas e reinventem para si próprias o sentido da política. Ao criar um sentido particular para o poder e para a política a “plebe rude” força os poderes políticos a cortejá-la, a seduzi-la, a referendar valores que são aceitos por ela ainda que esses nada tenham a ver com  a vida política, a ação legislativa ou a administração pública (pelo menos não imediatamente). 

Um grupo político, ou um político capaz de perceber e criar uma imagem pública que esteja de acordo os simbolismos depositado pelas massas na política, tem o sucesso eleitoral quase garantido.Por isso os partidos e candidatos gastam quase nenhum tempo no debete político propriamente dito e investem muito mais na criação de uma imagem identificada com os valores socialmente aceitos. É daí que começo minhas conjecturas sobre como um completo idiota, um desastre anunciado como Toinho do Pará foi eleito prefeito de Santa Cruz do Capibaribe.

A TRAJETÓRIA ATÉ O DESASTRE

Os “taboquinhas” chegaram ao poder em 2000 já se mostrando mais sintonizados na arte de manipular esses sentimentos populares sobre a política. Não que tenha sido apenas por isso, existem méritos políticos claros na vitória taboquinha em 2000, mas desde ali o grupo liderado por José Augusto Maia já sabia como seduzir as massas ao captar a maneira sub-reptícia como o povo reinventa a política. Enquanto os “bocas-pretas” apelavam ao tradicionalismo e ao partidarismo, José Augusto (que tinha Toinho do Pará por seu vice) apelava  uma suposta luta contra os poderosos, contra os ricos insensíveis com as necessidades dos pobres, com aqueles que supostamente usariam o poder para promover apenas sua riqueza pessoal. A vitória nas urnas em 2000 serviu para carimbar de vez um estigma sobre os adversários como atrasados, elitistas, anti-povo, esnobes, etc.

Para se entender como esse discurso, essa  estratégia foi eficiente é só pensar em Santa Cruz do Capibaribe como uma cidade industrial que se formou a partir da exploração de mão-de-obra barata, sem garantias trabalhistas, onde as margens de lucros dos patrões eram altas (pelo menos na época da explosão da confecção por aqui), onde devido a altíssima sonegação de impostos o poder público não tinha recursos para estruturar a cidade, e onde as elites e famílias tradicionais se engalfinhavam pela posse do poder. Santa Cruz cresceu então com uma elite pouco escolarizada, espalhafatosa, exibicionista, e incapaz de pensar algum projeto coletivo para a cidade. Lutar pelo poder sempre foi uma forma das famílias conseguirem mais estatus e benefícios; mas dividir com as pessoas? Ah, você deve estar brincando... Ao povo restava trabalhar pesado e buscar ascender socialmente numa cidade que vendia a ilusão de que pra ficar rico bastava querer. O fato é que se criou uma grande massa de trabalhadores que ralavam muito  e iam sobrevivendo (em condições  muito melhores do que em grande parte do Brasil, é verdade) e uma elite cada vez mais esnobe e deslumbrada. 

Não se deve pensar que por serem pouco escolarizadas as classes mais humildes de Santa Cruz do Capibaribe tinham um nível zero de compreensão da sociedade. Provavelmente o homo vulgaris santacruzense não tem uma visão articulada sobre a realidade, mas a sente a realidade na própria pele, percebe que nos tempos de crise é sobre ele que recaem as demissões, o desemprego, o arroxo de salários enquanto os ricos continuavam mantendo suas riquezas as custas da precarização da vida do cidadão comum. Não precisar ser gênio para perceber a cidade abandonada, sem estrutura mínima. Se não havia articulação política das classes populares para lutar contra esse quadro (talvez devido a baixa escolaridade e a mentalidade individualista da população [isso é só uma hipótese]), havia o sentimento de revolta dentro dos corações e mentes, os taboquinhas apenas o captaram e o usaram para si.

Durante os 8 anos do governo José Augusto a manipulação destes sentimentos se tronou cada vez mais clara, transformada até em canções pelo próprio José Augusto (meu TCC foi sobre o impacto das canções compostas por ele nas eleições entre 1998 e 2004).  Diante dos acertos e erros de seu governo José Augusto Maia passou cada vez mais a imagem (falsa) de que seu governo contava com participação do povo (o que claramente era uma mentira) e de que lutava contra os “poderosos”. 

Esses poderosos não tinham nome, pois, logicamente, esse discurso era uma farsa completa. Durante o governo de José Augusto houve acertos (em quantidade, para sermos justos), mas também se formou nitidamente uma classe de poderosos sob a permissão e supervisão dele e seu grupo político. Surgiram donos de rádios comunitárias (uma clara ilegalidade), a especulação imobiliária atingiu níveis que passam do absurdo, a doação ilegal de terrenos públicos para pessoas ligadas ao grupo político, um show de irregularidades diversas em licitações e até o desvio do FGTS de funcionários públicos municipais (em especial dos professores). Mas com o discurso cristalizado ficava fácil vender a versão de que essas acusações eram ataques dos adversários supostamente com raiva dos “benefícios gerados para o povo”. E tome música chorosa cantada pelo Zé Augusto, tome as rádios vendidas manipulando informações, tome zombaria promovida pelo próprio prefeito e vereadores contra os adversários e por aí vai...

Nesse meio tempo Toinho do Pará elegeu-se duas vezes Deputado Estadual e foi um completo inoperante. Nunca promoveu sequer uma prestação de contas sobre seu mandato parlamentar, ficou na sombra de Zé como sempre fez. Em 2008 chegava a hora de do partido “taboquinha” escolher o novo candidato, e foi Toinho. Do outro lado os “bocas-pretas” vinha passando por mudanças e candidatou-se Edson Vieira, que vinha em franca ascensão política.

Pelo menos 1 ano antes o governo já andava meio mal das pernas, cambaleante financeiramente e a cidade ia tomando ares de abandono, obras inacabadas e o caos no trânsito demonstravam o claro desgaste do governo, que teve inúmeras de suas contas rejeitadas pelo TCE.

O claro desgaste do governo, junto com o frescor da ascensão de Edson Vieira, bem como a postura inoperante de Toinho do Pará como político encheram os “bocas-pretas” de esperança. Edson apostou no fato de aparentar ser mais preparado para exercer o cargo, Toinho apostava em dois golpes que se mostrariam certeiros: o apelo a figura quase mítica de José Augusto na época e nos ressentimentos populares em santa Cruz do povo contra as “elites”.

Toinho deu no decorrer da campanha de 2008 um espetáculo de como não se portar em público. Era uma figura dantesca, de doer na vista e no juízo de quem leva política minimamente a sério. Demonstrava total desconhecimento sobre as atribuições de seu cargo, era incapaz de manter uma idéia coerente caso questionado, repetia a exaustão jargões indicados por seus marketeiros (repetia a palavra “punjante” mesmo quando essa não mais cabia em nada), discursava sofrivelmente e no único debate entre os candidatos deu respostas no nível da idiotice. 

O fato é que justamente esse comportamento de Toinho talvez tenha sido fundamental para ganhar a eleição de forma tão enfática. Os seus traços grosseiros, suas falas desconexas, suas respostas simplórias aproximou ainda mais o eleitorado mais humilde de sua figura. Lembro de ter ouvido da boca do candidato Edson Vieira que havia uma grande dificuldade dele em penetrar nas camadas mais pobres da cidade. Some-se que na época o mito Lula estava no auge,a maioria das pessoas viam nele um exemplo de político que deveria governar. 

O sucesso eleitoral de Lula lançou dentro das cabeças a ilusão de que o bom político não deveria ser um técnico, alguém  com formação acadêmica ou sucesso empresarial, mas sim homens humildes, que supostamente conheceriam a realidade do povo e que por isso supostamente ele saberia encontrar soluções fáceis para os problemas. Alguém que governaria com o coração e simplesmente mudaria o foco da máquina pública em direção a promoção do bem estar dos mais humildes. Vendeu-se a ilusão de que o poder pode ser exercido sem problemas por um mero ato de vontade e que se a origem social de um político é humilde então isso seria um pré-requisito para que ele fosse um bom governante, se o candidato fosse de origem rica ele seria então automaticamente um “inimigo do povo” e só pensaria em beneficiar os ricos.

Toinho se aproveitou muito dessa representação positiva que reinava quanto a sua figura. Escondeu todo seu despreparo no fato de que era um homem do povo, de fala incorreta, mas que sabia o que o povo passava, que seu adversário era um riquinho que estava na política por interesses particulares. E não adiantava tentar explicitar a falta de capacidade de Toinho, isso era interpretado como ataque pessoal e não como uma constatação evidente (o que era de fato). 

Daí seguem-se músicas falando da origem humilde de Toinho do Pará e outras falando que o candidato adversário lavaria as mão com álcool depois de cumprimentar os pobres. Segue-se a dizer que Toinho do Pará nunca estudou mas sempre trabalhou pelo povo (fazendo o que?) enquanto o adversário “comprou anel de doutor”.

Enfim, a antipatia nutrida pela maioria da população humilde contra os ricos mais uma vez se refletiu na política, o candidato adversário passou a representar a elite egoísta formada por patrões mesquinhos. A eleição então se tornou a forma que a população encontro de se vingar desta “elite mesquinha”. Não importa se o seu patrão vota no mesmo candidato que o seu, importa que o candidato dos ricos é o outro e ele deve ser derrotado.

A campanha de Toinho ganhou esse aspecto da mais vil vingança, algo claramente alimentado por ele e seus aliados em canções discursos e etc. O falas das ruas bradavam palavras de zombaria ,vingança e rancor. O nível de revolta era tal que perdeu-se totalmente o que restava de senso crítico quanto ao que era dito em palanques, em um comício o candidato Toinho do Pará chegou a dizer:   O candidato do outro lado diz que é o mais preparado, preparado, que eu saiba, é um prato de cuscuz com sardinha”  (antes que algum desinformado pense que é piada, garanto e tenho como provar com testemunhas, muitas por sinal, que ele disse isso. Essa foi uma das menos horríveis, diga-se). A campanha de Edson Vieira, apelando ao fato dele ser supostamente “o mais preparado” e atrelada a sua falta de carisma, via-se de mãos atadas ante a uma ofensiva tão forte e também que estava em sintonia profunda com os sentimentos que o povo levava para a política naquele momento.

Esse sentimento refletiu-se nas urnas com uma vitória acachapante de Toinho do Pará: 2991 votos de vantagem, até hoje a maior vitória eleitoral nas eleições.
O resultado todo mundo sabe, o governo municipal que já dava claros sinais de desgaste desde 2007 apenas seguiu seu rumo e terminou por desmantelar de vez o município. O governo de Toinho pode ser taxado claramente de desastroso, menos por culpa dele e mais pela herança maldita deixada por seu antecessor. Em quatro anos a prefeitura sucateou todo o maquinário público, transformou a saúde municipal no paraíso das negligências médicas, o que custou algumas vidas, a estrutura da educação foi a um nível desprezível, faltando até água de boa qualidade para os alunos beberem (só não ficou pior pela ação heróica dos professores do município, que seguraram as pontas como dava), apenas na questão dos salários do professores Toinho merece elogios (mas salário, por mais importante que seja, está longe de ser tudo na educação). Isso para não citar desmandos em todas as outras áreas, que se fosse citar aqui o blog não suportaria a quantidade de texto (se é que alguém vai já agüentar ler esse texto enorme que fiz).

Hoje, dia 30/12 é o penúltimo dia desse governo nefasto, que de tão ruim destruiu até a figura do político mais vencedor eleitoralmente em Santa Cruz do Capibaribe, o José Augusto Maia. A derrota do Maia é um castigo justo pelo desmantelamento promovido por ele e seu grupo no município. Não há figura mítica ou heróica que resista a desmandos diversos, como merenda escolar ruim, hospitais sem médicos e remédios, ruas esburacadas, especulação imobiliária, fraudes e rejeição de contas no TCE. Nem mesmo a ação parcial de duas rádios FM puderam salvar o grupo taboquinha e seu semi-deus da derrota eleitoral. Como disse anteriormente neste texto, não é porque a população é pouco escolarizada que não saiba entender a realidade, o erro de José Augusto foi pensar que todo mundo era burro de continuar votando nele e em seus aliados mesmo com desastre em marcha comandado por ele e seus asseclas apenas por que ele um dia se apropriou de um discurso que se mostrou eficiente. Apelou para o ódio, para o rancor e para o preconceito, não teve a hombridade de levantar um debate político sério sobre o município e sua realidade, achou que sempre seria capaz de manipular a todos. Agora vive de mastigar o rancor da derrota, espero que esse seja apenas o início de uma longa derrocada política. Desejo que seus algozes não tenham misericórdia.

Ao grupo vencedor e seu prefeito Edson Vieira prefiro manter um conveniente silêncio. O futuro dirá se eles mereceram a chance que tiveram ou terão que ser esquecidos, mas contam com a minha torcida. Estou claramente otimista.

Desejo a todos um 2013 de paz, alegria e vitórias contra a tirania.