terça-feira, 22 de janeiro de 2013

AS REDES SOCIAIS E O NOVO TOTALITARISMO (o mercado é o novo “Grande Irmão”)





No romance “1984’, George Orwell pinta uma sociedade, uma Inglaterra futurista, como um regime totalitário governado por um ditador chamado “Grande Irmão” (Big Brother), onde as pessoas são vigiadas por teletelas (telões que exibem imagens alusivas ao regime enquanto filmam e vigiam a população) inclusive dentro de suas casas. Assim o regime garante controle total sobre a população, inclusive da vida privada (o governo totalitário do livro chega até a controlar a vida sexual das pessoas) e evitar até que o cidadão tivesse ideias contrárias ao regime criando até uma definição legal de crime sobre “pensar” contra o regime. Orwell acabou prevendo o futuro na prática, é possível fazer claras analogias da nossa realidade atual com a distopia descrita no romance lançado em 1949.

O fato é que vivemos sobre um novo totalitarismo, o totalitarismo do mercado.  A difusão das redes sociais só acentua esse domínio. Hoje uma grande parte das empresas, sejam elas grandes ou pequenas, promovem uma verdadeira eugenia social e ideológica sobre seus funcionários e pretendentes ao cargo de emprego. Através disso está se instalando a nova ditadura do pensamento único.

Qualquer pessoa que queira se integrar socialmente e profissionalmente precisa ser membro de uma rede social; elas são práticas, sedutoras e viciantes, e são também um canal fácil para divulgação de produtos e serviços (daí as empresas investirem um bocado de grana nas mídias sociais). Mas desde que as redes sociais explodiram na internet, com o hoje finado Orkut, o mercado de trabalho e a classe patronal os usam como uma forma de promover um policiamento ideológico eficiente para conseguir empregados que estejam mais adaptados as concepções políticas e sociais de seus patrões.

Hoje os setores de RH das empresas vasculham as redes sociais buscando informações sobre os candidatos. As entrevistas e análise de Curriculum já não bastam por um simples motivo: não dá pra perceber o nível de submissão e apatia social do empregado apenas numa entrevista. 

O fato é que o “crime de pensamento” inventado pelo governo totalitário do livro “1984” ganha face real na triagem feita pelas empresas sobre os candidatos a emprego com base nos seus perfís nas redes sociais. Daí que uma piada postada (mesmo que não ofensiva), participar de alguma comunidade de tema tabu, ou postar alguma opinião polêmica (ainda que abalizada e coerente) pode acarretar a perda da vaga de emprego, dificuldades de promoção, etc. 

A crença liberal de que o mercado não exclui ninguém, que aceita a todos desde que tenham capacidade de produzir e consumir, se mostrou um mito. Besta é quem acredita. As redes sociais serviram muito bem para que o mercado chutasse de vez o mito da “impessoalidade do mercado”

Quando estourou o Orkut eu lembro que explodiam reportagens na TV explicando como a análise dos conteúdos postados e compartilhados por integrantes das redes sociais podiam ser usados como peso fundamental para que o candidato não conseguisse o emprego. Lembro de uma reportagem da TV Globo onde um diretor de RH disse que encontrou um candidato que tinha grandes credenciais, era adequado ao cargo e tinha boas indicações, mas ao ver que ele freqüentava uma comunidade chamada “eu detesto segunda-feira” e outra chamada “eu detesto acordar cedo” decidiu optar por outro candidato. Vejam só: alguém teve suas credenciais anuladas, reduzidas ao nada, pelo fato de que fazia parte de duas comunidades no Orkut que, pelo menos aparentemente, tinham aspectos mais humorísticos do que opinativos. Ele não disse nada demais em alegar que não gosta de acordar cedo ou que detesta segundas-feiras, isso não significa que ele vá chegar atrasado ou faltar nas segundas. Fico imaginando que a vaga ficou com alguém de credenciais menores mas que devesse frequentar uma comunidade chamada “eu adoro trabalhar 24h por dia”.
Matérias de TV falando sobre o uso das redes sociais como forma de selecionar os candidatos a emprego.
Claro que as matérias são tendenciosas e mostram uma visão positiva deste fenômeno, 
mas dá pra perceber o quão abusivas desonestas e imorais são estas práticas.

Não existem garantias de que um patrão ou uma empresa não irão selecionar seus funcionários a partir das opiniões sobre política, sociedade, religião, etc. que o indivíduo posta em suas redes sociais. Lógico que nenhuma empresa admitiria essa tal prática, mas algo me leva a crer que isso existe e com muita eficiência. O mercado passa a dar um belo escanteio naqueles que tenham “opiniões disfuncionais” garantindo uma massa de trabalhadores submissos. Qual a imagem que ganha diante de seus empregadores um trabalhador que posta uma mensagem de apoio a uma greve, que defenda tributação diferenciada para aqueles que ganham mais, que seja ateu ou membro de uma religião que seja socialmente estigmatizada e expresse isso num perfil de facebook da vida?.  Gente de mentalidade crítica, independentemente de escolhas políticas, religiosas, sexuais, comportamentais e etc. metem medo e são vistas como potencialmente perigosas, como se desarmonizassem o ambiente. É claro que as empresas camuflam essa "higienização" alegando que querem evitar empregar pessoas com comportamentos antiéticos, mas quem garante que é isso mesmo?

O rol de vítimas do totalitarismo do mercado potencializado pelas redes sociais é quase infinito, lembro-me que ouvi de um amigo religioso que ele não matricularia um filho em determinado colégio por haverem professores gays no quadro docente, imediatamente imaginei se ele promovesse uma campanha de achincalhamento on-line através de redes sociais contra esses professores qual seria o impacto disso na vida deles e da escola.  Eu mesmo temo que alguma de minhas opiniões que expresso no facebook possam ser usadas contra mim e a minha vida profissional. 

Daí você se pergunta o motivo do facebook ser um mar de “moralistas virtuais”, de pessoas “espiritualizadas” que postam citações mas nunca leram um livro, de intelectuais de esquina que vivem a vomitar opiniões chulas sobre os BBBs da vida e defender ideologias autoritárias. Porque eles sabem que é importante reforçar uma imagem pública para ganhar aceitação, isso pode render dividendos financeiros e profissionais.

O mais interessante é que não há muito o que se fazer contra o "totalitarismo de mercado" pois ele não deixa lá muitos rastros. A internet é um mar de anônimos e é bem difícil provar que se está sendo preterido ou perseguido por causa do uso de redes sociais. Se nos regimes totalitários do século XX eliminar alguém fisicamente implicava também em alterar documentos visando camuflar a violência, o que deixava pistas, o totalitarismo de mercado não deixa rastros.

Mesmo ciente disso jamais deixei de emitir uma opinião, por mais polêmica que fosse, nas redes sociais. Uso o twitter e o facebook, assim como esse blog que não é lido por ninguém além de mim, literalmente como palanques para divulgar minhas idéias (e para postar bobagens também, que eu não sou de ferro).
Não estou dizendo que tudo que se posta em rede social deve passar em brancas nuvens; casos de apologia ao crime, ao preconceito, a violência em geral devem ser denunciados e punidos, mas me espanta demais o nível de paranóia e sofisticação de que o mercado alcançou na busca por trabalhadores submissos, obedientes e que trabalhem sem questionar.

Assim como na distopia do romance de Orwell essa tela que temos em casa serve para nos vigiar, para ser o olho do “Grande Irmão” que comanda esse governo .
O “Grande Irmão” não zela por nós nem a “mão invisível” do mercado existe para nos fazer afagos.

sábado, 5 de janeiro de 2013

AS FALÁCIAS SOBRE HITLER E O USO DESRESPEITOSO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO




O conhecimento médio dominante sobre Hitler é mais baseado numa antipatia (justa) criada pelas escolas, meios de comunicação, etc.  do que se baseia em um entendimento sobre o que realmente foi o fascismo/nazismo enquanto doutrina social e política. Hitler é visto como um psicopata sanguinário e preconceituoso que empreendeu as políticas de eugenia e de genocídio apenas por que era mal e por ter conseguido, apenas por sua impressionante retórica manipular os sentimentos de uma nação inteira, a Alemanha, mobilizando todo um povo em seus nefastos ideais. 

 Nada mais superficial e mentiroso. Não que Hitler fosse uma “boa pessoa” ou alguém  sem poder de convencimento (muito pelo contrário), mas essa interpretação com ênfase exagerada na pessoa de Hitler e em seus caprichos enquanto indivíduo  mostra apenas que para que uma idéia se cristalize na cabeça das pessoas basta apenas contar com ajuda de maus professores de História (daqueles bem decorebas), de um sistema de educação que valoriza apenas o acúmulo de informações sem a discussão crítica das mesmas,  e, por conseqüência disso,  com a nossa característica comum de achar que os grandes acontecimentos históricos, bom ou ruins, são frutos apenas de um ato de vontade de “grandes homens”. Pessoas sem capacidade de entender contextos sociais e históricos sempre cairão na armadilha intelectual de buscar respostas simples, confortáveis e, logicamente, falsas para temas que gerem questões muito complexas.

Essa incapacidade de analisar as coisas fugindo de simplificações grosseiras faz com que a percepção coletiva sobre os fatos históricos seja um enorme balaio de gatos onde tudo importa menos a verdade. Essa memória acaba sendo usada para que um monte de espertalhões defensores das piores ideologias criem a aparência de que suas conjecturas tem raízes históricas ou que são baseadas em fatos reais vivenciados pelos seres humanos em alguma determinada época da história. E esses espertalhões adoram Hitler e precisam dele para justificar suas idéias assim como precisam de água para viver, ainda que aparentem não compactuar com nenhum princípio do nazismo (pelo menos não declaradamente).

O fato é que essa memória histórica que hoje se mostra dominante sobre Hitler fez com que a população desinformada sobre o tema vincule a Hitler qualquer postura ou comportamento considerado ruim (qualquer mesmo). Daí surge a mais calhorda das falácias que é a idéia que se Hitler defendia uma coisa ela de antemão já seria ruim e deveria ser rejeitada; o detalhe fica pelo fato que na grande maioria das vezes Hitler não defendia essas idéias, mas uma enorme parte dos espertalhões estabelece essa ligação na tentativa de descredenciar argumentos contrários aos seus.

A partir daqui mostro algumas das falácias sobre Hitler muito usadas em debates por espertalhões, algumas dessas falácias são tão ridículas e na mesma medida são populares, e sobra gente que engula isso:

Falácia 1: “COMUNISMO E NAZISMO SÃO A MESMA COISA. O PARTIDO DE HITLER SE CHAMAVA ‘PARTIDO NACIONAL SOCIALISTA ALEMÃO’, LOGO O NAZISMO É DE ESQUERDA”

Essa falácia chega a ser ridícula, o nazismo, assim como as demais variações do fascismo, são ideologias anti-socialistas. O discurso anti-socialista serviu como chamariz para o partido conseguir a simpatia, e vultosas doações financeiras de banqueiros e industriais alemães, vale lembrar que na Alemanha a ação dos comunistas por pouco não rende uma revolução logo após a I Guerra Mundial, o que explica o temor das elites alemãs da época. Na intenção de concentrar poderes na mão do partido nazista e eliminar a oposição comunista o governo de Hitler atribuiu a “judeus-comunistas” o incêndio do Parlamento Alemão (Reichstag).

O comunismo foi o “outro” do qual o regime se utilizou para mobilizar a nação contra um suposto inimigo comum e pelo qual manteve a população em permanente estado de tensão.

Muitos citarão o pacto de não-agressão entre Hitler e Stalin (“Pacto Ribentrop – Molotov”) alegando haver alguma proximidade entre os regimes, mas uma coisa não tem necessariamente a ver com a outra. O pacto de não-agressão entre Alemanha e URSS tinha objetivos estratégicos, especialmente para os alemães que depois romperam esse pacto durante a II Guerra Mundial e invadiram a URSS. De forma alguma esse pacto pode ser entendido como um acordo de cooperação mútua e de cumplicidade ideológica entre os regimes.

Falácia 2: “HITLER ERA ATEU”

Hitler teve uma criação católica, recebeu crisma e estudou em colégio beneditino. Alguns biógrafos dizem que na sua adolescência teve contato com a mitologia pagã germânica o que o supostamente a desenvolver uma posição negativa quanto ao cristianismo. O fato é que Hitler sempre se mostrou em público como um cristão, seu livro Mein Kampf (Minha Luta) Deus é citado várias passagens (http://www.paulopes.com.br/2012/09/as-reverencias-a-deus-feitas-por-hitler.html#.UOTpwaz5PdM) e as falas são contundentes no sentido de legitimar o nazismo utilizando-se da fé cristã.

É bom lembrar também que o anti-semitismo alemão tem origens que passam muito além do período de domínio político do partido nazista. Lutero no século XVI já se mostrava como claro anti-semita e é inegável sua influencia na cultura alemã em vários sentidos (lingüístico, social e religioso)

Essa falácia só expressa um preconceito nojento contra os ateus. 

Falácia 3: “HITLER PERSEGUIU AS IGREJAS E ERA ANTI-CRISTÃO”
Essa fala é controversa. A perseguição nazista não respeitava a questão religiosa: quem não tinha 100% de fidelidade ao governo, ou não era ariano puro, ia pra vala independente do credo. O fato é que Hitler tentou criar uma Igreja oficial do estado, o programa do partido Nazista diz em seu parágrafo 24 que o partido adota os princípios do “cristianismo positivo”.

Claro que existe um evidente contracenso em que o partido Nazista afirma adotar princípios do cristianismo mesmo com Cristo sendo judeu, mas o anti-semitismo na Alemanha tem forma perceptível desde a Reforma Protestante pela ação de Martinho Lutero (um ferrenho anti-semita)

Lembrem-se também da famosa concordata assinada entre Hitler e o Vaticano, a Reichskonkordat, onde a Igreja Católica, para manter intacta sua participação na sociedade alemã, assume o compromisso de que seus clérigos jurarão fidelidade ao Reich e ao Führer. ( http://pt.wikipedia.org/wiki/Reichskonkordat )

Engraçado que o Papa Bento XVI, ex-membro da juventude Hitlerista (porque era obrigatório a todos os jovens alemães da época, é bom deixar claro), afirmou que o nazismo foi uma tentativa de retirar Deus do seio da sociedade, mesmo com a Igreja Católica tendo silenciado com as implicações do regime de Hitler na Alemanha e ter tido uma amizade ainda mais profunda com o regime de Mussolini na Itália (o pioneiro dos regimes fascistas). Não dá pra esperar desse sujeito muito compromisso com a verdade... (http://www.paulopes.com.br/2010/09/papa-associa-o-extremismo-ateu-tirania.html#.UOTqdaz5PdM

Aqui no Brasil a última vez que ouvi alguém falar que Hitler perseguia Igrejas cristãs foi num programa do pastor Silas Malafaia (não encontrei o vídeo), o que só mostra a desonestidade intelectual desse sujeito. O pastor-deputado Marco Feliciano, assim como Malafaia, tenta comparar a luta pelos direitos homossexuais com essa suposta perseguição nazista, repetindo o abuso sobre o conhecimento histórico que expressamos na imagem que abre esse post. Vigarice pura! ( http://www.marcofeliciano2010.com.br/?p=1459 NOTA: Marco Feliciano, Malafaia e seus asseclas chamando alguém de fascista é igual a um batedor e carteira gritando “pega ladrão”) 

É de bom grado lembrar que as relações entre Hitler e as Igrejas nem sempre foi pacífica e a tentativa de criar uma “Igreja Oficial do Reich” encontrava resistências dentro das Igrejas Luteranas diversas, muito mais pela falta de liberdade doutrinária do que por repudiarem os rumos tomados pelo regime.

Falácia 4: “HITLER DEFENDIA A RESTRIÇÃO DO USO DE ARMAS DE FOGO PARA OS CIDADÃOS”

Não sei dizer se essa afirmação é verdade. Ví nos últimos dias no facebook uma postagem que atribuía a Hitler uma frase onde expressava o seu interesse em manter cidadãos de povos dominados sem direito a porte de armas pois isso facilitaria a manutenção da dominação. Não sei dizer se a frase realmente é de Hitler e se ele se opunha ao livre porte de armas, mas mostra mais um aspecto do uso de Hitler e do Nazismo como argumento: a busca de uma reação muito mais emocional do que racional. Se Hitler era contra o porte irrestrito de armas isso nada significa ( que o desarmamento seja algo bom ou ruim). Países como Japão e Inglaterra promoveram campanhas de desarmamentos muito bem sucedidas e não me parecem nações adeptas do nazismo.

...

Por enquanto é só, talvez quando eu estiver com mais paciência eu melhore esse texto