No romance “1984’, George Orwell pinta uma sociedade, uma
Inglaterra futurista, como um regime totalitário governado por um ditador
chamado “Grande Irmão” (Big Brother), onde as pessoas são vigiadas por teletelas (telões que exibem imagens
alusivas ao regime enquanto filmam e vigiam a população) inclusive dentro de
suas casas. Assim o regime garante controle total sobre a população, inclusive
da vida privada (o governo totalitário do livro chega até a controlar a vida
sexual das pessoas) e evitar até que o cidadão tivesse ideias contrárias ao regime
criando até uma definição legal de crime sobre “pensar” contra o regime. Orwell
acabou prevendo o futuro na prática, é possível fazer claras analogias da nossa
realidade atual com a distopia descrita no romance lançado em 1949.
O fato é que vivemos sobre um novo totalitarismo, o totalitarismo
do mercado. A difusão
das redes sociais só acentua esse domínio. Hoje uma grande parte das
empresas, sejam elas grandes ou pequenas, promovem uma verdadeira eugenia
social e ideológica sobre seus funcionários e pretendentes ao cargo de emprego.
Através disso está se instalando a nova ditadura do pensamento único.
Qualquer pessoa que queira se integrar socialmente e
profissionalmente precisa ser membro de uma rede social; elas são práticas,
sedutoras e viciantes, e são também um canal fácil para divulgação de produtos
e serviços (daí as empresas investirem um bocado de grana nas mídias sociais). Mas
desde que as redes sociais explodiram na internet, com o hoje finado Orkut, o
mercado de trabalho e a classe patronal os usam como uma forma de promover um
policiamento ideológico eficiente para conseguir empregados que estejam mais
adaptados as concepções políticas e sociais de seus patrões.
Hoje os setores de RH das empresas vasculham as redes
sociais buscando informações sobre os candidatos. As entrevistas e análise
de Curriculum já não bastam por um simples motivo: não dá pra perceber o nível
de submissão e apatia social do empregado apenas numa entrevista.
O fato é que o “crime de pensamento” inventado pelo
governo totalitário do livro “1984” ganha face real na triagem feita pelas
empresas sobre os candidatos a emprego com base nos seus perfís nas redes
sociais. Daí que uma piada postada (mesmo que não ofensiva), participar de
alguma comunidade de tema tabu, ou postar alguma opinião polêmica (ainda que
abalizada e coerente) pode acarretar a perda da vaga de emprego, dificuldades
de promoção, etc.
A crença liberal de que o mercado não exclui ninguém, que
aceita a todos desde que tenham capacidade de produzir e consumir, se mostrou
um mito. Besta é quem acredita. As redes sociais serviram muito bem para
que o mercado chutasse de vez o mito da “impessoalidade do mercado”
Quando estourou o Orkut eu lembro que explodiam reportagens
na TV explicando como a análise dos conteúdos postados e compartilhados por
integrantes das redes sociais podiam ser usados como peso fundamental para que
o candidato não conseguisse o emprego. Lembro de uma reportagem da TV Globo
onde um diretor de RH disse que encontrou um candidato que tinha grandes
credenciais, era adequado ao cargo e tinha boas indicações, mas ao ver que ele
freqüentava uma comunidade chamada “eu detesto segunda-feira” e outra chamada
“eu detesto acordar cedo” decidiu optar por outro candidato. Vejam só: alguém
teve suas credenciais anuladas, reduzidas ao nada, pelo fato de que fazia parte
de duas comunidades no Orkut que, pelo menos aparentemente, tinham aspectos
mais humorísticos do que opinativos. Ele não disse nada demais em alegar que
não gosta de acordar cedo ou que detesta segundas-feiras, isso não significa
que ele vá chegar atrasado ou faltar nas segundas. Fico imaginando que a vaga
ficou com alguém de credenciais menores mas que devesse frequentar uma
comunidade chamada “eu adoro trabalhar 24h por dia”.
Matérias de TV falando sobre o uso das redes sociais como forma de selecionar os candidatos a emprego.
Claro que as matérias são tendenciosas e mostram uma visão positiva deste fenômeno,
mas dá pra perceber o quão abusivas desonestas e imorais são estas práticas.
Não existem garantias de que um patrão ou uma empresa não
irão selecionar seus funcionários a partir das opiniões sobre política, sociedade,
religião, etc. que o indivíduo posta em suas redes sociais. Lógico que
nenhuma empresa admitiria essa tal prática, mas algo me leva a crer que isso
existe e com muita eficiência. O mercado passa a dar um belo escanteio naqueles
que tenham “opiniões disfuncionais” garantindo uma massa de trabalhadores
submissos. Qual a imagem que ganha diante de seus empregadores um
trabalhador que posta uma mensagem de apoio a uma greve, que defenda tributação
diferenciada para aqueles que ganham mais, que seja ateu ou membro de uma
religião que seja socialmente estigmatizada e expresse isso num perfil de
facebook da vida?. Gente de
mentalidade crítica, independentemente de escolhas políticas, religiosas,
sexuais, comportamentais e etc. metem medo e são vistas como potencialmente
perigosas, como se desarmonizassem o ambiente. É claro que as empresas camuflam essa "higienização" alegando que querem
evitar empregar pessoas com comportamentos antiéticos, mas quem garante
que é isso mesmo?
O rol de vítimas do totalitarismo do mercado potencializado
pelas redes sociais é quase infinito, lembro-me que ouvi de um amigo religioso
que ele não matricularia um filho em determinado colégio por haverem
professores gays no quadro docente, imediatamente imaginei se ele promovesse
uma campanha de achincalhamento on-line através de redes sociais contra esses
professores qual seria o impacto disso na vida deles e da escola. Eu mesmo temo que alguma de minhas opiniões
que expresso no facebook possam ser usadas contra mim e a minha vida
profissional.
Daí você se pergunta o motivo do facebook ser um mar de
“moralistas virtuais”, de pessoas “espiritualizadas” que postam citações mas
nunca leram um livro, de intelectuais de esquina que vivem a vomitar opiniões
chulas sobre os BBBs da vida e defender ideologias autoritárias. Porque eles sabem que é importante reforçar uma
imagem pública para ganhar aceitação, isso pode render dividendos financeiros e
profissionais.
O mais interessante é que não há muito o que se fazer
contra o "totalitarismo de mercado" pois ele não deixa lá muitos rastros. A internet é um mar de
anônimos e é bem difícil provar que se está sendo preterido ou perseguido por
causa do uso de redes sociais. Se nos regimes totalitários do século XX
eliminar alguém fisicamente implicava também em alterar documentos visando
camuflar a violência, o que deixava pistas, o totalitarismo de mercado não
deixa rastros.
Mesmo ciente disso jamais deixei de emitir uma opinião, por
mais polêmica que fosse, nas redes sociais. Uso o twitter e o facebook, assim
como esse blog que não é lido por ninguém além de mim, literalmente como
palanques para divulgar minhas idéias (e para postar bobagens também, que eu
não sou de ferro).
Não estou dizendo que tudo que se posta em rede social deve
passar em brancas nuvens; casos de apologia ao crime, ao preconceito, a
violência em geral devem ser denunciados e punidos, mas me espanta demais o
nível de paranóia e sofisticação de que o mercado alcançou na busca por
trabalhadores submissos, obedientes e que trabalhem sem questionar.
Assim como na distopia do romance de Orwell essa tela que
temos em casa serve para nos vigiar, para ser o olho do “Grande Irmão” que comanda
esse governo .
O “Grande Irmão” não zela por
nós nem a “mão invisível” do mercado existe para nos fazer afagos.
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