O futebol tornou-se algo muito caro, proibitivo para os mais
humildes, e isso é mal para o esporte. Está acontecendo uma nítida inversão na
função social do futebol. Antes o futebol era um
esporte nitidamente popular, os estádios enchiam com mais facilidade (apesar
das péssimas instalações) e o povão era a cara dos estádios. Os estádios eram
multirraciais e, dentro de certos limites, um espaço que unia pobres e ricos ainda
que os ricos ficassem nas cadeiras numeradas e os pobres ralando a bunda no
concreto da arquibancada. O fato é que o futebol era popular no melhor
sentido do termo: ele era de TODOS, do
pobre, do classe média e do rico.
Hoje o futebol
afastou-se das pessoas e tornou-se algo caro. Os altos investimento
trazidos pela Copa e pelas tentativas de profissionalização das gestões dos
clubes encareceram o espetáculo. As altas cotas de TV inflacionaram a receita
dos clubes e os salários dos jogadores e todos correram atrás de quem tem muito
pra gastar: a elite. E a espiral inflacionária do esporte perdeu o controle de
vez.
Hoje uma camisa oficial de um clube de massa, mesmo um da
série C como o Santa Cruz, custa em média uns R$ 170,00 (1/4 do salário
mínimo), um ingresso mais barato nessas novas arenas não fica por menos de
R$40,00. É algo proibitivo, ponto.
Imaginemos que um
indivíduo sem carro quer ir ao estádio com dois filhos no setor mais barato
atual (3 ingressos= R$ 120,00), tivesse que pagar passagem de ônibus de ida e
volta (gastaria pelo menos uns R$ 18,00, ou mais)e tivesse que comprar
refrigerante e cachorro quente pelos preços módicos cobrado no estádio (calculo
o gasto em uns R$ 40,00 se o cara for pão-duro). Só aí iriam embora, por baixo,
uns R$ 178,00, num único jogo. Até para um membro da classe média-alta esse
valor impediria idas freqüentes ao estádio com a família, imaginem então para
aqueles com uma renda de classe C ( que segundo
a consultoria Target fica em torno de entre R$ 2.330 a R$4.500).
As rendas dos jogos hoje são verdadeiros insultos, só o
Atlético MG arrecadou 14 milhões de reais em um único jogo da final da
Libertadores (só a título de comparação o Santa Cruz teve um orçamento de 14
milhões durante todo o ano de 2012).
Pode-se dizer que a renda dos jogos obedece a lei do
mercado, mas isso é balela, a intenção é nitidamente excluir o pobre do
estádio. Senão vejamos: qual jogo com pouco apelo midiático, tipo um jogo de
meio de semana em campeonato estadual, teve seus ingressos barateados para se
adequarem com a demanda e todos pudessem comprar? Você lembra de algum? Eu
também não!
O futebol como produto busca a atenção daqueles que tem
maior poder aquisitivo. Não importa que os estádios estejam vazios na maioria
das vezes, desde que quem compareça compense a ausência do povão. O povão é
descartável. Povão não compra camisa oficial por 170 pilas, não pode pagar 40
contos num ingresso duas vezes por semana. Povão não compra o produto anunciado
nos patrocínios das camisas. O povão virou indesejável. As consultorias
futebolísticas em marketing já pouco se importam com o tamanho das torcidas,
mas com o poder financeiro delas.
É um cenário desolador e, danem-se, é fascistóide (não me
venham com meias palavras, é fascismo puro).
Logo surgem jornalistas que comemoram a elitização e tentam
dizer que o problema não é do futebol e sim da sociedade. Mas se esquecem que entregar
o preço dos ingressos para a simples lei
do mercado é, de fato, punir o pobre que é apaixonado por futebol. E o
interesse social fica aonde? Só com uma mentalidade preconceituosa e
elitista (portanto fascista) é que se defende que futebol seja consumido somente
pelos ricos. Hoje o futebol é o cartão de visitas da elite mesquinha que
não suporta mais o discurso de inclusão social que até a pouco era dominante, e
que está sofrendo uma enorme oposição sendo combatido no campo da política e da
imprensa.
ONDE O SANTA CRUZ FUTEBOL CLUBE ENTRA NESSA?
O Santa é a torcida mais popular do Recife, é o time dos
pobres. Isso está impregnado na imagem pública do time. Não é difícil perceber
isso na realidade. Nos bairros mais elitizados é possível contar nos dedos quem
é torcedor do Santa, a elite recifense me parece tomada por torcedores do Sport
e Náutico (apesar de morar na região agreste do estado e visitar o Recife apenas
sazonalmente, justamente para ver o Santa jogar, não acredito que esteja errado
em minhas impressões). Se o Santa tentar jogar o jogo da elitização do futebol,
nunca vai sair de seu lugar.
O poder financeiro está concentrado em alguns poucos clubes
do Brasil, especialmente nos fundadores do finado Clube dos 13. Times como
Corinthians e Flamengo jamais vão aceitar uma divisão mais igualitária das
receitas, outros clube terão que se rebolar para formar times competitivos.
Dependerão de um mecenas super rico como a Unimed (Fluminense) ou vão estourar
as próprias contas para conseguir grandes títulos (Atlético-MG) ou ainda vão se
tornar reféns de empresários do ramo da bola que desfazem os times na intenção
de lucrar com a venda jogadores (Palmeiras, Botafogo, Vasco, Bahia, entre
outros).
Diante disso o Santa Cruz tem que criar um nicho de
mercado que tende a virar quase que exclusivo seu: as classes populares.
O maior destaque do Santa Cruz na mídia nacional foi
justamente pelo fato da equipe lotar estádios. Quando caímos na primeira fase
da Série D em 2009 tivemos uma matéria no Jornal Nacional, em 2011 a matéria serepetiu celebrando nosso acesso. Jornais internacionais repercutem matérias
sobre nossa torcida. Já tivemos reportagens nos maiores jornais Italianos,
Espanhóis e Ingleses (A terra da rainha é a Meca do jornalismo esportivo)
sempre tendo como foco principal nosso estádio cheio e a paixão de nossa
torcida formada majoritariamente por pobres.
Num meio onde a elitização deixa os estádios vazios na
grande maioria dos jogos, um clube que leva multidões ao estádio é uma pauta
fenomenal para os jornais de todo o Brasil. Quem se interessa por uma 4º
divisão, ou por uma 3º divisão? Ninguém, a não ser que o Santa Cruz e sua
torcida estejam lá (você guarda na memória os campeões da Série D? Duvido!).
Com reportagens como essas o nome de nossos patrocinadores é divulgado no
Brasil e fora dele, o que torna o clube numa vitrine confiável para a marca e isso
atrai mais investimentos.
Um primeiro passo é se livrar do programa “Todos Com a Nota”.
Sim!!!. Sei que parece um contrassenso, mas é que o TCN cria uma cortina de
fumaça nesse processo de elitização. O negócio então é baixar o preço do ingresso
em todos os setores e fazer com que a turma mais humilde possa pagar para ir ao
estádio.
O Santa Cruz pode iniciar esse processo com seus próprios
sócios. No momento em que escrevo esse texto o Santa Cruz conta com 13.000 sócios em dia (o maior contingente entre os times da série C). Uma boa idéia
era colocar pacotes de ingressos para jogos com pouco apelo a preços bem baratos,
para equilibrar a demanda. Um exemplo: vender aos sócios um pacote para os
3 jogos da fase inicial da Copa do Nordeste 2014 ao preço de RS30,00 (média de 10,00 por partida)
e para os 5 jogos contra os times do interior no estadual por R$ 35,00 (média
de 7,00 por partida). Imaginemos que 10.000 sócios comprassem esse pacote, e
que uma parte desses sócios comprassem também para seus dependentes (se não me
engano cada sócio do Santa pode comprar até 4 ingressos de uma vez), teríamos
algo em torno de 25.000, ou mais, torcedores garantidos nos jogos, e isso sem
contar o público não-sócio que compraria por meios tradicionais. Seria uma
grande demanda de público para jogos que antes eram sem apelo devido ao preço das
entradas.
Alguns poderão argumentar que isso reduzirá o lucro com as
bilheterias, mas isso é balela da grossa já que jogos de fase preliminar e
contra times do interior NUNCA deram
lucro a clube algum. Claro que nos clássicos o preço teria uma subida
substancial para se adequar com a demanda (um clássico no Recife com ingresso a
10 reais precisaria de um estádio de uns 200.000 lugares para suprir a procura,
não estou exagerando)
Lógico que não é só a questão do ingresso que conta. O
clube tem que ter uma política vantajosa e eficiente para atrair novos sócios e
manter os antigos, tem que melhorar as instalações do estádio e a logística nos
dias de jogo. É todo um conjunto de coisas, mas que parte de um processo de popularização para
dar certo.
Um exemplo de como a participação popular nos estádios é
importante é só pensar no caso do Internacional. Os caras tem 100.000 sócios em
dia, o que mantém o clube cheio da grana e formando times competitivos, mas os
estádios vazios e isso acaba agregando pouco a imagem do clube. O Corinthians
tem metade disso mas lota o estádio até em amistoso, a imagem nunca se desgasta
e dá uma maior credibilidade ao clube, hoje ninguém sequer chega
próximo do valor da “marca Corinthians”.
O desafio está lançado ao Santa, se quiser continuar
dançando a dança do mercado vai perder o bonde, até em Pernambuco o mercado dá
sinais de preferir Sport e Náutico devido ao apelo elitista. Mas se quiser
desafiar essa lógica e cobrar ingressos a preços acessíveis o Santa pode se beneficiar
da repercussão midiática e poderá renegociar patrocínios e cotas de TV ( o
impacto nas audiências seria nítido já que o jogo com muita torcida chama a
atenção até de quem não torce por nenhum dos times). Isso aumentaria a receita
do clube substancialmente, poderíamos formar times competitivos e dominar um
nicho de mercado que todos os demais clubes esqueceram.
Só popularizar é claro que não resolve, mas é uma questão
estratégica reposicionar a marca Santa Cruz. Isso não significa desprezar a
elite que gosta de futebol, com preços baixos ela consumirá ainda mais o espetáculo.
O torcedor do Santa tem a marca de não ter preconceito de classe, logo os
torcedores corais endinheirados (eles existem e também são um grande mercado)
vão se empolgar com a mobilização e consumir ainda mais avidamente a marca do
clube e isso será um grande negócio.
O Santa Cruz Futebol Clube não pode cair nessa armadilha que os clubes estão caindo em ceder 80% do estádio para a elite e apenas 20% ao povão, tem que fazer
justamente o contrário.
É desafiando o
mercado que conseguiremos entrar soberanamente nesse mesmo mercado.
Post dedicado ao amigo Walter Miro, um jornalista que discute o futebol para além de saber se foi ou não impedimento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário