domingo, 12 de abril de 2015

DISCOGRAFIA DOS ENGENHEIROS DO HAWAII - (Parte II)


Esta segunda parte da discografia comentada do EngHaw é a mais interessante para mim pois foi a fase da banda na qual eu fui contemporâneo. Foi na fase em que a banda já havia se desfigurado em relação as formações que eu conheci e acompanhei avidamente. 
Mais do que o fã eu era um "torcedor" da banda, tamanha a identificação que eu criei com suas músicas, e numa época onde ainda não havia internet garimpar informações e esperar ansiosamente discos, aparições da banda na TV e videoclipes fazia parte do meu cotidiano adolescente. 
A cada mudança de formação a banda tinha sumiços, não aparecia em TV, não haviam nenhuma menção em revistas especializadas (na época eu comprava avidamente a Showbizz para descobrir novos sons) e aqui em Santa Cruz do Capibaribe não pegava MTV o que me deixava surpreso quando a banda aparecia sempre com uma novo formato.
Nessa fase em que se torna definitivamente o dono da banda Humberto Gessinger se mostra uma figura mais bem humorada, se levando menos a sério; o que me deixava surpreso pois ele sempre marcou por dar respostas evasivas para perguntas que o incomodavam, ou respostas cheias de sarcasmo ácido quando as perguntas eram bobas. Paradoxalmente, a época em que se mostra menos ferino HG passa a fortalecer a própria imagem estampando sozinho as capas dos discos, deixando claro que aqueles músicos dali estavam apenas o acompanhando, não eram Engenheiros do Hawaii de fato. Não a toa que muitos fãs consideram essa fase já o início da carreira solo de Gessinger, isso apenas não é admitido por ele. Como fã eu me incomodava com as mudanças no grupo, quando a 4º formação da banda se desfez (Gessinger, Luciano Granja, Adal Fonseca e Lúcio Dorfman) ficou claro, pra mim, que a banda havia se tornado uma caricatura.
Nessa fase haverão muitos extremos musicais, grandes discos dividirão espaços com os piores da história da banda; canções excepcionais dividirão espaços com músicas pouquíssimo inspiradas. Os discos que os críticos diziam serem sempre iguais (só quem nunca ouviu mais de 1 disco da banda acha isso) passam a pecar por serem justamente diferentes demais uns dos outros. Humberto parece abrir concessões para certos modismos do rock brasileiro pós 2000.
Mas o saldo geral dessa fase é de muito mais acertos do que erros, canções marcantes e bons momentos pra mim como fã. A minha única triste recordação dessa fase é que nunca vi a banda num show ao vivo e agora como ela acabou eu nunca verei mesmo. Se Gessinger  retornar com a banda, mesmo que com a formação clássica, não terá nem de longe a mesma graça. Pode-se repetir as canções, mas nunca se repetirá o momento.

obs: Nesse post coloco sempre algum vídeo de especiais de TV com cada formação pois as mudanças nos arranjos das músicas são bem interessantes.

Simples de Coração (1995)


O disco que abre a nova fase dos Engenheiros é muito bom. A saída traumática de Augusto Licks muda a estrutura da banda, que se torna um quinteto com a entrada de Ricardo Horn, Fernando Deluqui (guitarras) e Paolo Casarin (teclados). A produção é de Greg Ladanyi (que já trabalhou com bandas como Fleetwood Mac e Toto).
É um disco interessante, muito bom mesmo. A produção do americano (deixando de lado os discos produzidos pela própria banda) fez os Engenheiros parecerem uma banda de Rock setentista das melhores.
O álbum em nada deve aos da formação clássica e é um dos melhores da discografia da banda, dá pra ouvir sem pular nenhuma canção (talvez a última, "Lado a Lado" não seja tão boa e "Vícios de Linguagem quebre o ritmo do disco).
 
Começa com "Hora do Mergulho" e se segue com "A Perigo" e "Simples de Coração" onde a guitarra de Deluqui mostra uma pegada mais rock duro do que a de Augusto Licks.
A melhor música desse disco é "A Promessa" e sua letra cortante e seu refrão pegajosíssimo. Destaques também para o rockão "Algo Por Você" e para as baladas "Ilex Paraguariensis" e "Por acaso". Nesse disco Carlos Maltz assume os vocais em "Castelo dos Destinos Cruzados", composição sua que é muito boa.
 
Quando ouvi o disco, em 1996, saí com a impressão que essa formação ia durar e que Augusto Licks não faria falta; as excelentes versões para canções antigas feitas nos shows ao vivo (com exceção de Infinita Highway) davam a impressão de que o quinteto era uma banda coesa. Mas a realidade era que a banda era de aluguel, menos de um ano após o lançamento do disco o grupo se desfazia, inclusive com a saída de Carlos Maltz (também explicada por Humberto com evasivas). Num especial MTV de 1996 já se via o clima de aviso prévio para os músicos

 
O disco e a curiosidade pela nova formação rendeu boas aparições aos Engenheiros na TV, inclusive com bons especiais na Band e na TV Cultura. Numa época em que as canções com dancinhas depravadas dominavam as televisões e o rádio, junto com o rock-pseudocomédia dos Mamonas Assassinas, e o marco dessa época sendo a apelativa disputa Gugu-Faustão por audiência,  a banda até conseguiu furar bem esse bloqueio.  Os méritos do disco são inquestionáveis nesse feito.
É um dos melhores álbuns da discografia das banda. Nota 9,0 

 
Especial de fim de ano da Band (1995)

 
Show ao vivo da banda na turnê Simples de Coração

Gessinger Trio (1996)

 
 Em meio a produção de "Simples de Coração" Humberto se junta com Adal Fonsensa (baterista muito bom) e com Luciano Granja (guitarrista também muito bom) para um projeto paraleo chamado "33 de Espadas" que vai amadurecendo a partir de uma série de pequenos shows realizados por eles. 
 
Projeto "33 de espadas"

Com o final temporário dos Engenheiros do Hawaii a banda torna-se o Gessinger Trio, um projeto paralelo do Humberto que na verdade é considerado por HG como parte da discografia oficial da banda.
É um discão surpreendente. Sem as amarras de pertencer a uma banda de nome, Humberto e seus novos garotos fazem um disco pesado, sem nenhum traço de superprodução e com letras muito boas. O sistema power-trio do disco funciona muito bem. Quando ouvi esse álbum me senti realmente surpreendido, parecia que Humberto queria exorcizar o EngHaw de si.
O disco começa com "Irradiação Fóssil" e "Sem Você (é Foda)", dois petardos sonoros, e segue com "A Onda" e "O Preço", duas belas canções que Humberto vai ressuscitar nos acústicos que encerram a discografia da banda. Depois se segue com a melhor do disco: "Freud Flintstone", canção que entraria em qualquer seleção minha das 10 melhores da história da banda. Ainda tem as baladas "Vida Real" e "De Fé" além de outras duas pedradas sonoras "Causa Mortis" e "A ferro e Fogo".

Clipe de "O Preço"
Comercialmente esse álbum rendeu pouco demais até para os padrões de ostracismo do rock nacional da época (vendeu só 25 mil cópias), muito disso se deve ao fato de que o nome "Engenheiros do Hawaii" ainda era maior que o do próprio Humberto Gessinger, tanto que os shows dessa turnê eram divulgados nas cidades como Engenheiros e não como "Gessinger Trio". Outra questão é que o disco, apesar de muito bom, não tem a "canção EngHaw, aquela que até os que não gostam da banda sabem cantarolar e curtem.
É um disco experimental, liberto das amarras que o sucesso impõe a um artista e por isso é muito bom. Nota 8,5
 
Trecho de apresentação do Gessinger Trio em 1996

Minuano (1997)

 
Sem rodeios: é o pior disco da banda. A formação do Gessinger Trio, acrescida do tecladista Lúcio Dorfman e a que tem a responsabilidade de levar o nome dos Engenheiros adiante. O disco é simplesmente frustrante embora a formação da banda seja boa. O erro do disco não é ser "pop" demais, não é faltar guitarras, não está no fato das letras serem mais curtas; o problema é que as canções são ruins e as que são boas simplesmente não tem pegada. Há algumas canções que os fãs gostam, mas que eu detesto como "Banco" (simplesmente não consigo escutar esse rockabilly sem graça) e as letras sem graça de "Nove Zero Cinco Um", "Deserto Freezer", "Outros Tempos", "A Ilha não se Curva".
Esse disco tem como carro-chefe a pior música de trabalho que a banda já escolheu. "A Montanha" tem uma melodia legal e só, a letra é uma das coisas mais sem sentido que eu já ouvi na voz de Humberto
Clipe de "A Montanha", a pior música de trabalho da banda
 Do disco se salvam "3 minutos" e com algum esforço dá pra gostar de "Faz Parte", "Nuvem" e "Sem Problema". O grande momento do disco pra mim está na versão de "Alucinação" de Belchior, é uma versão que está muito, mas muito mesmo, acima das demais canções do disco. Gosto demais dessa versão porque foi ela que me levou a conhecer as canções do bigodudo cearense que hoje é meu artista preferido (em breve posts sobre a discografia de Belchior aqui no blog)
 
Clipe de "Alucinação"
É um disco ao qual me esforcei pra gostar, mas minha aversão a ele só piorou durante os anos. Nota 4,0
                                    
                                    
Apresentação da banda no programa Bem Brasil da TV Cultura na turnê Minuano


Tchau, Radar! (1999)

 
Quando ouvi Tchau, Radar! senti que agora a coisa ia pra frente. Compensou com (muitas) sobras o péssimo disco anterior. É o disco onde o talento de Gessinger fala alto e mostra mais uma vez que havia muita vida musical depois do fim da formação clássica. A sonoridade é mais madura, os arranjos das canções estão excelentes, na medida certa. A aura de visionário de Humberto aflora mais uma vez com grandes letras e regravações que servem para montar o conceito do disco e não necessariamente para forçar popularidade, bem diferente de alguns outros artistas que regravam canções "tiro certo" para subir álbuns ruins (tipo Jota Quest, Biquíni Cavadão, entre outros).
Clipe de "Eu que não amo você"
O disco abre com "Eu Que Não Amo Você",  que se tornou clássica da banda e mostra um Humberto afiado com suas canções românticas que desafiam os lugares comuns. Depois segue "Negro Amor" versão de Caetano Veloso para uma canção de Bob Dylan, onde os EngHaw conseguem fazer uma gravação que faz parecer que a música é deles. "Concreto e Asfalto" é a melhor canção do disco, com HG na sua melhor forma como compositor fazendo a união entre uma grande melodia e uma letra curta mas que expressa tudo, mais uma de suas odes às causas perdidas (É que eu nasci com pé na estrada/ e com a cabeça lá na lua/ Não vou ficar/ não vou ficar/ Fiz bandeira desses trapos/ devorei concreto e asfalto). 
Clipe de "Negro Amor"
Pulando "Até mais" que é uma canção apenas bonitinha vem "Nada Fácil" e "Olho do Furacão" duas letras daquelas messiânicas que o Humberto nas melhores fases costuma fazer. Depois se segue a balada épica "Seguir Viagem" e a doce "10.000 Destinos". A divertida levada country de "Na Real" e a belíssima "3x4" trilha sonora de meu namoro com Vaniara, dão algo a mais ao disco.
É um grande álbum. Nota 9,0
Bem Brasil na TV Cultura - Turnê "Tchau, Radar!

10.000 destinos - Ao Vivo (2000)

 
Um bom disco ao vivo, mas nada comparado a Alívio Imediato de 1989. A formação da banda garante bons arranjos, músicas vibrantes e uma boa química ao vivo, mas nada muito sensacional. O disco vem com 4 gravações inéditas. Duas regravações  e duas composições inéditas de Humberto. A versão de "Rádio Pirata", com participação de Paulo Ricardo, parece ser feita sob medida para tocar nas rádios e em nada acrescenta ao disco, já a versão de "Quando o Carnaval Chegar" de Chico Buarque é muito boa. Das inéditas "Números" e "Novos Horizontes" são canções legaizinhas.
Clipe de "Números"
É um disco ao vivo para pontuar o momento da banda, musicalmente não acrescenta muita coisa. Nota 7,5
Canções como "Sopa de Letrinhas" e "Eu que Não Amo Você" só entraram no DVD

Nesse disco fica a última impressão do que foram os Engenheiros do Hawaii. Logo após ele a formação se desfez completamente e Humberto e seus novos garotos vão lançar dois discos de estúdio que nem de longe lembram a sonoridade da banda. Começa aí, talvez, o que se considera a carreira solo não admitida de Gessinger. Mesmo nas duas formações depois do fim do trio GLM havia ainda o sentido de que se tentava ser uma banda de verdade. "Simples de Coração" é um disco muito rico musicalmente e com uma formação onde cada músico contribuiu com o desenvolvimento de uma nova sonoridade original na banda. Já a formação em quarteto que se encerra no "10.000 Destinos Ao Vivo" foi formada como uma banda deve ser, com a sonoridade sendo construida em shows pequenos e amadurecendo aos poucos. Se fizeram o fraco "Minuano" essa formação azeitada foi uma excelente cozinha para o Humberto dar a luz ao Tchau Radar!
Daqui pra frente sobram alguns espasmos de inspiração.

Surfando Karmas & DNA (2002)

 
Os "novos Menudos' de Humberto estreiam em estúdio com o 2º pior disco da discografia da banda. Não é o pior porque a canção título do disco é uma das melhores composições de Gessinger. "Surfando Karmas & DNA", que abre o disco, fez valer a pena ter comprado o CD inteiro. É uma puta canção, letra ácida e um arranjo matador; serve para mostrar que Humberto é insuperável. É uma pérola comparável a qualquer canção clássica dos tempos áureos da banda; entraria no meu TOP 5 dos Engenheiros.
 "Surfando Karmas & DNA" - ao vivo
Fora isso o disco é fraco, a nova formação empobreceu musicalmente a  banda. Humberto reassume a guitarra junto com Paulinho Galvão, Bernardo Fonseca assume o baixo e Gláucio Ayala na bateria (bem inferior ao infernal Adal Fonseca).
A impressão que se carrega é que HG abriu concessões musicais para os modismos do rock nacional. Os arranjos perdem amplitude tornando-se previsíveis com aqueles riffs pseudo-hardcore que é marca de bandas previsíveis e repetitivas como Charlie Brown Jr. Pitty, Detonautas entre outros; as letras parecem bem menos elaboradas e remetendo a uma temática meio "rebeldia de shopping center" o que faz os EngHaw assumirem uma imagem clichê. Que se deixe claro que esse disco é ainda muito superior a qualquer criação dessas bandas que eu citei e de quase todas as do RockBR pós-2000.


 Clipe de "3º do Plural"
O disco ainda tem "3º do Plural" que é legalzinha. De resto sobram músicas que comparadas com a média das canções produzidas pela banda são bem fraquinhas.
"Esportes Radicais", "Ritos de passagem", "Sei não" seria consideradas boas canções na  obra de um Detonautas qualquer da vida, mas nos EngHaw, devido a grandiosidade da obra da banda, soam como sobras de estúdio. 'Datas e Nomes" e "Arame Farpado" são fraquíssimas. Tudo isso temperado com aquelas introduções rápidas e pesadas e previsíveis que um desavisado acharia por alguns segundos ser da Avril Lavinge.
É um disco fraco, salvo apenas pela épica canção título. Nota.5,5 


Dançando no Campo Minado (2003)

 
A estética musica do disco anterior se repete neste álbum, mas ele é bem melhor que o "Surfando karmas...". Há excelentes canções no álbum entrecortadas com os mesmos vacilos do disco anterior. É um disco curto, tem só 31 minutos, e ainda mais pesado.
Primeiro as grandes canções: Gessinger grava algumas de suas melhores letras nesse disco como na maravilhosa "Dom Quixote" e "Segunda-Feira Blues I e II" (parceria com o ex-batera Carlos Maltz), e na boa "Outono em Porto Alegre". O disco tem um grande hit, aquela "canção Enghaw" que falei acima, que é "Até o Fim". Uma música que não é a melhor da banda (não entraria nem no meu TOP 30) mas que se tornou popular, tocou no rádio e as pessoas, mesmo as que sequer fazem ideia do que é Engenheiros do Hawaii, cantarolavam e gostavam da letra. É uma sensação muito legal quando a banda da qual você gosta desde as antigas (e muitas vezes é ridicularizado por isso) acaba tendo uma canção na boca do povo sem que ela seja uma apelação comercial descarada. Anos depois uma turma de concluintes do Ensino Médio que eram meus alunos usou essa canção como como tema da turma, senti uma boa sensação de ver essa "canção EngHaw" na boca dos garotos, lembrei-me da minha adolescência e como as músicas da banda foram uma trilha sonora das minhas escolhas e dilemas.
 "Até o Fim" é uma canção simples sem ser simplória que se tornou conhecida por suas virtudes e não por seus defeitos.
Clipe de "Até o fim"
Mas o disco não é um grande disco. Canções como "Camuflagem" se fosse cantada pela Pitty os fãs dela seriam viciados na música, mas com os Engenheiros soa esquisito, aquém do que Humberto pode compor. "Rota de Colisão", "Duas Noites no Deserto", "Na Veia" se fossem cantadas hoje por gente como NXzero, Fresno ou Restart seriam propagadas como "prova" de uma evolução musical dessas bandas, mas diante daquilo que os Engenheiros produziram ao longo do tempo essas canções soam como se tivessem sido escritas por Humberto sem a devida dedicação, como se fosse só pra completar o álbum.
Clipe de "Na veia" 
Por esses deslizes é que "Dançando no Campo Minado", apesar de algumas canções muito boas, não deixa muitas saudades a quem ouve.
Nota:6,5
Especial MTV 2003
Acústico MTV (2004)

 
Os "Acústicos MTV" viraram a febre depois que os Titãs lançaram o seu em 1997 (acho) e estouraram nas paradas vendendo mais de 1,7 milhões de cds. Daí por diante ficou um saco essa brincadeira, artistas gravavam acústicos apenas para voltar a tocar em rádio apenas revisitando canções antigas (como a Cássia Eller, por exemplo). Além disso muitos dos acústicos não passavam de versões desplugadas dos shows elétricos tradicionais, como foi por exemplo o do Charlie Brown, Ultraje a Rigor, O Rappa. Lulu Santos, Zeca Pagodinho entre outros. Dessa levada de Acústicos MTV poucos foram realmente bons e eles, paradoxalmente, tiveram menos êxito comercial, como os de Jorge Ben Jor, Paralamas do Sucesso, João Bosco, Marina Lima, Moraes Moreira.
Os Engenheiros devem ter a consciência limpa de que fizeram seu acústico quando isso não era uma modinha apelativa (Filmes de Guerra Canções de amor em 1993) e quando fizeram foi um grande álbum concebido no verdadeiro sentido de produzir arte. Quando a Humberto resolve lançar o seu desplugado com o selo da MTV o projeto já estava datado e repetitivo; havia perdido quase que completamente a graça.
Talvez por ingressar na brincadeira justamente no fim da festa é que o Acústico MTV dos Engenheiros é um bom disco. Há a superprodução habitual (orquestra, cenários e tal) mas é um disco agradável de se ouvir e sem as afetações dos demais projetos do gênero. No lugar das participações especiais de artistas renomados para inflar artificialmente a importância do álbum, Humberto chamou sua própria filha (Clara Gessinger) para cantar uma excelente versão de "Pose" do disco "Gessinger, Licks e Maltz" e o ex-batera Carlos Maltz para cantar "Depois de Nós", uma composição dele.
O legal é que há todo um tratamento para canções "lado b" como "Vida Real" (musica de trabalho do disco), "O preço", "Dom Quixote" (em versão muito boa acompanhada de orquestra), "3x4", "Revolta dos Dândis", além da espetacular versão orquestrada para "Surfando Karmas e DNA".
 Versão acústica de "Surfando Karmas e DNA"
O erro do disco é revisitar canções já tradicionais para os não iniciados na banda. Em nada acrescentam as versões de "Papa é Pop", "Infinita Highway" e "Era um Garoto que Como Eu Amava os Beatles e os Rolling Stones". Essa tática já usada por outros artistas quebra o clima intimista do disco e nenhuma dessas versões acrescentou algo novo.
Ainda há duas canções inéditas bem legais: "Armas Químicas e Poemas" e "Outras Frequências" (quase um hino em homenagem aos fãs da banda).

No fim esse Acústico MTV, que me parecia uma furada sem tamanho, saiu um bom disco e Humberto tirando algumas cartas da manga.
Nota: 8,0

Novos Horizontes - Acústico (2007)

 
O último disco com o nome Engenheiros do Hawaii um tanto melancólico para mim como fã. É feito numa época em que minha fissura pela banda já está passando mas em meio a uma turba de novos fãs que surgiram com o Acústico MTV. 
Não que seja um disco ruim, apenas penso que a banda poderia ter um final melhor, tipo com um álbum de estúdio bem caprichado.
Sem o selo MTV mas com a estética do "desplugado rock’n’roll" o disco conta com várias canções inéditas e. como não poderia deixar de ser, releituras de outras canções da banda. Mas o disco funciona bem menos.
Entre as inéditas se destacam "No Meio de Tudo Você" e "Coração Blindado". "Guantânamo" era melhor na versão demo divulgada durante a produção do disco.

As outras não agradam: "Não Consigo Odiar Ninguém" é apenas boazinha, "Quebra-Cabeça" tem uma letra onde falta alguma coisa, assim como "Vertical" (ficam parecendo aquelas letras sem sentido, e sem graça, do Capital Inicial na sua segunda fase). "Luz" é bonitinha mas não empolga, assim como a parceria com Maltz em "Cinza" também não  (e a lenga-lenga mistico-riponga de Maltz simplesmente enche o saco). "Faz de Conta" tem uns versos que me fizeram sentir vergonha-alheia quando ouvi (quando a pedra caiu na água/ quando o espelho foi ao chão/ quem estava ao teu lado / quem estava com a razão / a pedra afundou / a onda inundou / faz de conta que eu fui mais legal).
Mas também há boas versões para "Simples de Coração", "Piano Bar" ( a qual a original jamais será superada) e "Novos Horizontes"
É um disco que não empolga mas dá pra escutar. Nota 6.0

Depois disso acho que o Humberto se convenceu que a banda havia se descaracterizado, que o fantasma das formações anteriores sempre estaria vivo e que era necessário se livrar do peso do nome "Engenheiros do Hawaii" para realmente produzir algo novo. 
Surgiu o excelente duo com Duca Leidecker, o Pouca Vogal, que produziu um disco bem legal e um show ao vivo muito bom (tive a sorte de assistir ao vivo em Campina Grande-PB e foi um puta show). O trabalho do Duca na banda Cidadão Quem deve ser visto com carinho.
Agora Humberto assumiu a carreira solo, o que deveria ter feito desde 2002, e produziu o bom disco "Insular", com uma amplitude musical que as amarras construídas por ele próprio nos Engenheiros o impedia de fazer.

Hasta!



sábado, 4 de abril de 2015

DISCOGRAFIA DOS ENGENHEIROS DO HAWAII - Um resenha pretensiosa e sentimental (Parte I)



Já faz um certo tempo que minha fixação dos Engenheiros do Hawaii passou; a gente cresce e a vida ganha novos rumos, o entendimento sobre as coisas se amplia (assim como a sensação de que cada vez sabemos menos), a música passa a ter um sentido completamente diferente do que tinha na adolescência. Mas o fato é que os Engenheiros tiveram uma enorme influência na minha formação. Lembro como se fosse hoje quando as 12 anos ouvi pela primeira vez a versão ao vivo de “Toda Forma de Poder” numa fita K7 trancacado no meu quarto; ali um mundo se abriu. Quando ouvi Humberto Gessinger cantando “O fascismo é fascinante deixa a gente ignorante fascinada[1]  acho que sem perceber eu tracei o meu destino de ser historiador. Aqui vai a minha impressão de cada disco da banda, desde sua fase áurea até quando a banda se tornou uma carreira solo não admitida do Humberto, a qual entrecorto com algumas marcas que cada disco deixou em mim. Hoje identifico muitas fases da minha vida nas canções dos EngHaw; cada canção de traz um cheiro, uma sensação, um sentimento diferente. Quando lembro dos momentos de minha primeira juventude identifico cada detalhe delas lembrando das canções que eu ouvia dos EngHaw e como cada disco da banda entrou aleatoriamente na minha vida, como num daqueles “lugares de memória” de que fala o historiador Pierre Nora.

Longe Demais das Capitais (1986)

                Por sorte não conheci os Engenheiros por seu primeiro disco. É uma banda ainda muito verde, o instrumental é bem pobre se comparado com os discos seguintes, os arranjos simplesmente não tem pegada e Humberto ainda está bem tímido nos vocais. Mas, pra uma banda formada por garotos um ano antes, o resultado é bom.
                Alternam-se boas letras, cheias de sacadas perspicazes, com outras bem pueris e cheias de referências intelectualóides que simplesmente não se encaixam. “Toda Forma de Poder” abre o disco, um arranjo fraco e um vocal também fraco, mas a letra genial e um refrão pegajoso transformaram a canção num clássico da banda. Destacam no disco outras canções como “Sopa de Letrinhas”, “Crônica”, “Longe Demais das Capitais” (a melhor do disco) e “Todo Mundo é Uma Ilha”; ainda há algumas canções apenas legaizinhas como “Fé Nenhuma” e “Eu Ligo pra Você” além da famosa “Segurança” (uma canção bem pegajosa e com um bom humor que me fazia acreditar seu uma regravação da Blitz. Muita gente não acredita ser essa uma canção dos Engenheiros). Claro que há alguns momentos bem vergonha alheia como “Beijos pra Torcida”, “Nada a ver”, “Nossas Vidas” e “Sweet Begônia”. Instrumentalmente o destaque do disco são as linhas de baixo feitas pelo misterioso Marcelo Pitz (que deixou a banda após esse disco e se tornou uma figura arredia aos holofotes)
Nota:7,0

A revolta dos Dândis (1987)

É um discão nervoso e intenso. Humberto amadurece como compositor e as canções se tornam mais instigantes, incisivas. As referências filosófico-literárias se tornam mais equilibradas e não há uma só canção das 11 do disco que que possa ser chamada de ruim. É o primeiro disco do Augusto Licks na banda e sua guitarra classuda, genial começa a mudar o som do trio.
Há canções fenomenais como "Revolta dos Dândis I e II", "Terra de Gigantes",o "Refrão de Bolero"(trilha sonora do fim de meu primeiro namoro sério embora ela não se chamasse Ana) e "Infinita Highway" (numa versão bem sonolenta). há no disco outros sucessos "lado b" que são cultuados pelos fãs mais fiéis como "Filme de Guerra, Canções de Amor" (com o batera Carlos Maltz dividindo os vocais com Gessinger), "Além dos Out-Doors", "Vozes".
 Primeira versão ao vivo de Refrão de Bolero
É um clássico Nota 9,5

Ouça o Que eu Digo: Não Ouça Ninguém (1988)



É mais um bom disco, embora não se compare ao anterior. Tem a boa faixa título, "Cidade em Chamas", Tribus e Tribunais", "Nunca se Sabe", "Sob o Tapete", "Pra entender", "A Verdade a Ver Navios", além da clássica "Somos Quem Podemos Ser". 
As Guitarras de Licks estão mais afiadas, os vocais de Humberto bem melhores e a banda como um todo mais entrosada. É um disco que consegue ser agradável do início ao fim. Na última canção, "Variações de um Mesmo Tema", Augusto Licks canta a segunda parte da canção
Nota 8,5

Alívio Imediato (1989)



Foi esse o primeiro disco de rock que ouvi, numa fita k7 emprestada por um colega de escola. lembro que ela começou pelo lado B e quando tocou "Toda forma de Poder" ao vivo, numa versão eletrizante, eu chapei na hora. Passei a ouvir o álbum compulsivamente a ponto de me prejudicar seriamente nos estudos, o que quase me reprovou em 1996 e fez meus pais começarem a fazer marcação cerrada contra meu vício em música. Certa vez tomei o maior sermão por dizer em casa que estava juntando grana pra comprar um violão e que planejava ser músico (sonhava em ser Augusto Licks, que naquela época nem na banda estava mais).

A versão de Infinita Highway é espetacular e jamais foi igualada por nenhuma outra formação da banda (além de compensar a sonolenta versão original). É talvez o melhor disco ao vivo que já escutei; vibrante e com um público ensandecido gritando e cantando junto as canções. Um fã clube tem o vídeo original do show e o lançou  no Youtube (uma raridade pois naquela época sem DVD e internet era raro demais shows ao vivo virem acompanhados de Home-videos em VHS)
Nota:9,0
Show original da gravação do disco com a ordem original das músicas e canções que não entraram no álbum

O Papa é Pop (1990) 


É o disco mais conhecido da banda, foi o auge do seu sucesso, parece ter sido um disco planejado minuciosamente pra estourar nas paradas. A banda deixa o som menos rockeiro e Carlos Maltz passa a utilizar bateria eletrônica em todas as músicas. As guitarras de Licks tem um som mais "limpinho" e os teclados e o baixo de Gessinger completam a sonoridade "clean" do disco.

"Exercito de Um Homem Só I e II", "Pra ser Sincero", "Era um Garoto que Como Eu Amava os Beatles e os Rolling Stones", "Olhos Iguais aos Seus" compõem um lado A hipnotizante destoado apenas por "Nunca mais poder" que não tem um décimo da pegada das outras canções. O lado B começa com a viciante "O Papa é Pop" e de desenvolve com "A Violência Travestida faz seu Trottoir" e "Anoiteceu em Porto Alegre", dois épicos sensacionais com letras marcantes para os fãs e que mostram as influências de rock progressivo de Gessinger. se encerra com as apenas regulares "Ilusão de Ótica" e "Perfeita Simetria".

É o disco que alça a banda ao posto de maior nome do Rock nacional. Numa época em que a lambada (argh!)e o sertanejo explodem nas paradas os Engenheiros se tornam intrusos nas paradas de sucesso. "Exército de um Homem só" ganha um videoclipe superproduzido para os padrões da época, "Pra ser Sincero" vira uma pegajosa canção de amores mal resolvidos e "O Papa é Pop" vira o refrão da moda repetido em todo lugar. Lembro que em 1990 eu tinha 6 anos e era comum na hora da saída ou nos intervalos do colégio ver garotos cantarolando o refrão da música enquanto tocavam air-guitar
É um discão. Nota 9,0
Clipe de "Exército de um Homem Só", superproduzido para os padrões da época
"O Papa é Pop" - Quase um anti-clipe para compensar a superprodução do anterior
Clipe de "Era um Garoto que Como Eu  Amava os Beatles e os Rolling Stones

 
Várias Variáveis (1991)

Eu considero esse o melhor disco da banda. A sonoridade clean do disco anterior é abandonada, os arranjos são mais pesados, as letras são enormes e magnificamente construídas; não há nenhuma canção pegajosa para ser hit de rádio e ter os refrão cantarolado nas esquinas. A banda parece ter optado por uma auto sabotagem comercial depois da superexposição de "O Papa é Pop". Nesse clima eles produzem um puta disco, com as guitarras de Licks na melhor forma possível e auxiliadas pela bateria do Maltz, que dessa vez não era eletrônica. Canções como "Piano Bar", 'Ando Só", "Muros e Grades", "Quartos de Hotel, "Museu de Cera", além da regravação "Herdeiro da Pampa Pobre" fazem um disco vibrante.
clipe oficial de "Piano Bar"
 Todas as 14 canções do álbum contam com sutilezas belíssimas que transformam a obra em umas viagem musical das melhores. "Piano Bar" é, talvez, a melhor canção já escrita por Gessinger. As guitarras de Augusto Licks percorrem riffs e solos espetaculares e sempre na medida certa como em "Sampa no Walkman" (veja aqui), "Piano Bar", "Sala Vip", "Não é Sempre" e "Muros e Grades". Dá pra ouvir do início ao fim sem sentir uma vírgula de tédio ou cançasso. 
Nota: 10,0 
O sucesso desse disco rendeu a banda 3 antológicas aparições no mesmo ano no Programa Livre do SBT com Serginho Groissman

Gessinger, Licks e Maltz (1992)

Seguindo a lógica de sabotagem comercial do disco anterior, o 7º disco da banda é mais silencioso, menos rockeiro e com tentativas de fazer rock progressivo. Fazem sucesso "Ninguém=Ninguém", "Parabólica" (que eu acho bem chatinha) e "Até Quando vai Ficar". O disco faz experimentações interessantes como a milonga gaucha "Papa no Walkman", as baladas progressivas "Túnel do tempo", "No Inverno Fica tarde + cedo", "A Conquista do Espelho". É um grande disco, com letras poucos diretas e cheias de sentidos ocultos e sem nenhum grande hit, mas que mostra muita qualidade enquanto conjunto da obra. Também merece destaque "Pose (anos90)" e "Chuva de Containers". É o disco preferido de muito fã de carteirinha da banda.
Nota: 8,0
Clipe de "Ate quando vai ficar"

Filmes de Guerra Canções de Amor (1993)

No lugar de gravar um disco ao vivo no habitual sistema baixo-bateria-guitarra os Engenheiros gravam um álbum totalmente diferente. Numa época em que disco acústico era palavrão, e muito antes da finada MTV Brasil transformar isso numa moda chata pra dedéu, o trio faz um álbum classudo usando piano, guitarras semi acústicas e percussão, além de dar ênfase a canções que não foram sucessos radiofônicos. é engraçado que numa época em que a banda definhava por dentro (a relação entre Licks e os fundadores  Gessinger e Maltz estava esgotada, o que levou a ruidosa e até hoje muito mal explicada saída do guitarrista) consegue produzir um disco tão bom.
Canções como "Além dos out-doors" e "pra entender", "Muros e Grades", "Crônica" ganham versões primorosas. Há boas canções inéditas como "Mapas do Acaso", "Quanto vale a vida", e versões para "Ando Só" e "Exército de um Homem Só" acompanhadas de orquestra. Uma maravilhosa versão de "Refrão de Bolero" ficou apenas para o home-video.

 
É o disco de Augusto Licks; sua guitarra é o que mais marca a audição com solos e dedilhados elegantes e bem encaixados para as novas versões. Parece ser uma carta de despedida do guitarrista, que após sair da banda numa briga fenomenal que envolveu troca de acusações e baixarias fortíssimas se tornou recluso e avesso a qualquer aparição pública (o que, junto com as evasivas de Humberto e Maltz, torna o mistério da separação ainda mais nebuloso e instigante).
Nota:9,0

A saída do Licks marca a mudança no formato e na musicalidade dos Engenheiros, mas isso não significa que não há vida musical após isso. Há sim muita vida musical nos discos seguintes.
A segunda fase da banda, com mudanças de formação ao gosto de Gessinger, conta com grandes discos, grandes canções e também com algumas (muitas) escorregadas. Até que uma hora Humberto se toca que a banda virou uma caricatura e assume a carreira solo encerrando as atividades com o nome Engenheiros do Hawaii

Essa segunda fase da obra da engenharia hawaiiana fica pro próximo post, já são 2:33h da madrugada e o sono finalmente bateu. Hasta!



[1] Engraçado como essa frase ainda me soa definitiva. Quando vejo um monte de surtados nas redes sociais repetindo slogans fascistas, respostas fáceis para problemas complexos, palavras de ordem e pregando na maior desfaçatez que fascismo é uma ideologia de esquerda (enquanto pedem a volta do regime militar e exaltam comportamentos e ideias claramente de extrema-direita) penso que Humberto Gessinger previu e definiu em uma frase a corja de pseudorevoltados que infestam as redes sociais e que a cada dia que passa perde a noção da própria estupidez.