sábado, 4 de abril de 2015

DISCOGRAFIA DOS ENGENHEIROS DO HAWAII - Um resenha pretensiosa e sentimental (Parte I)



Já faz um certo tempo que minha fixação dos Engenheiros do Hawaii passou; a gente cresce e a vida ganha novos rumos, o entendimento sobre as coisas se amplia (assim como a sensação de que cada vez sabemos menos), a música passa a ter um sentido completamente diferente do que tinha na adolescência. Mas o fato é que os Engenheiros tiveram uma enorme influência na minha formação. Lembro como se fosse hoje quando as 12 anos ouvi pela primeira vez a versão ao vivo de “Toda Forma de Poder” numa fita K7 trancacado no meu quarto; ali um mundo se abriu. Quando ouvi Humberto Gessinger cantando “O fascismo é fascinante deixa a gente ignorante fascinada[1]  acho que sem perceber eu tracei o meu destino de ser historiador. Aqui vai a minha impressão de cada disco da banda, desde sua fase áurea até quando a banda se tornou uma carreira solo não admitida do Humberto, a qual entrecorto com algumas marcas que cada disco deixou em mim. Hoje identifico muitas fases da minha vida nas canções dos EngHaw; cada canção de traz um cheiro, uma sensação, um sentimento diferente. Quando lembro dos momentos de minha primeira juventude identifico cada detalhe delas lembrando das canções que eu ouvia dos EngHaw e como cada disco da banda entrou aleatoriamente na minha vida, como num daqueles “lugares de memória” de que fala o historiador Pierre Nora.

Longe Demais das Capitais (1986)

                Por sorte não conheci os Engenheiros por seu primeiro disco. É uma banda ainda muito verde, o instrumental é bem pobre se comparado com os discos seguintes, os arranjos simplesmente não tem pegada e Humberto ainda está bem tímido nos vocais. Mas, pra uma banda formada por garotos um ano antes, o resultado é bom.
                Alternam-se boas letras, cheias de sacadas perspicazes, com outras bem pueris e cheias de referências intelectualóides que simplesmente não se encaixam. “Toda Forma de Poder” abre o disco, um arranjo fraco e um vocal também fraco, mas a letra genial e um refrão pegajoso transformaram a canção num clássico da banda. Destacam no disco outras canções como “Sopa de Letrinhas”, “Crônica”, “Longe Demais das Capitais” (a melhor do disco) e “Todo Mundo é Uma Ilha”; ainda há algumas canções apenas legaizinhas como “Fé Nenhuma” e “Eu Ligo pra Você” além da famosa “Segurança” (uma canção bem pegajosa e com um bom humor que me fazia acreditar seu uma regravação da Blitz. Muita gente não acredita ser essa uma canção dos Engenheiros). Claro que há alguns momentos bem vergonha alheia como “Beijos pra Torcida”, “Nada a ver”, “Nossas Vidas” e “Sweet Begônia”. Instrumentalmente o destaque do disco são as linhas de baixo feitas pelo misterioso Marcelo Pitz (que deixou a banda após esse disco e se tornou uma figura arredia aos holofotes)
Nota:7,0

A revolta dos Dândis (1987)

É um discão nervoso e intenso. Humberto amadurece como compositor e as canções se tornam mais instigantes, incisivas. As referências filosófico-literárias se tornam mais equilibradas e não há uma só canção das 11 do disco que que possa ser chamada de ruim. É o primeiro disco do Augusto Licks na banda e sua guitarra classuda, genial começa a mudar o som do trio.
Há canções fenomenais como "Revolta dos Dândis I e II", "Terra de Gigantes",o "Refrão de Bolero"(trilha sonora do fim de meu primeiro namoro sério embora ela não se chamasse Ana) e "Infinita Highway" (numa versão bem sonolenta). há no disco outros sucessos "lado b" que são cultuados pelos fãs mais fiéis como "Filme de Guerra, Canções de Amor" (com o batera Carlos Maltz dividindo os vocais com Gessinger), "Além dos Out-Doors", "Vozes".
 Primeira versão ao vivo de Refrão de Bolero
É um clássico Nota 9,5

Ouça o Que eu Digo: Não Ouça Ninguém (1988)



É mais um bom disco, embora não se compare ao anterior. Tem a boa faixa título, "Cidade em Chamas", Tribus e Tribunais", "Nunca se Sabe", "Sob o Tapete", "Pra entender", "A Verdade a Ver Navios", além da clássica "Somos Quem Podemos Ser". 
As Guitarras de Licks estão mais afiadas, os vocais de Humberto bem melhores e a banda como um todo mais entrosada. É um disco que consegue ser agradável do início ao fim. Na última canção, "Variações de um Mesmo Tema", Augusto Licks canta a segunda parte da canção
Nota 8,5

Alívio Imediato (1989)



Foi esse o primeiro disco de rock que ouvi, numa fita k7 emprestada por um colega de escola. lembro que ela começou pelo lado B e quando tocou "Toda forma de Poder" ao vivo, numa versão eletrizante, eu chapei na hora. Passei a ouvir o álbum compulsivamente a ponto de me prejudicar seriamente nos estudos, o que quase me reprovou em 1996 e fez meus pais começarem a fazer marcação cerrada contra meu vício em música. Certa vez tomei o maior sermão por dizer em casa que estava juntando grana pra comprar um violão e que planejava ser músico (sonhava em ser Augusto Licks, que naquela época nem na banda estava mais).

A versão de Infinita Highway é espetacular e jamais foi igualada por nenhuma outra formação da banda (além de compensar a sonolenta versão original). É talvez o melhor disco ao vivo que já escutei; vibrante e com um público ensandecido gritando e cantando junto as canções. Um fã clube tem o vídeo original do show e o lançou  no Youtube (uma raridade pois naquela época sem DVD e internet era raro demais shows ao vivo virem acompanhados de Home-videos em VHS)
Nota:9,0
Show original da gravação do disco com a ordem original das músicas e canções que não entraram no álbum

O Papa é Pop (1990) 


É o disco mais conhecido da banda, foi o auge do seu sucesso, parece ter sido um disco planejado minuciosamente pra estourar nas paradas. A banda deixa o som menos rockeiro e Carlos Maltz passa a utilizar bateria eletrônica em todas as músicas. As guitarras de Licks tem um som mais "limpinho" e os teclados e o baixo de Gessinger completam a sonoridade "clean" do disco.

"Exercito de Um Homem Só I e II", "Pra ser Sincero", "Era um Garoto que Como Eu Amava os Beatles e os Rolling Stones", "Olhos Iguais aos Seus" compõem um lado A hipnotizante destoado apenas por "Nunca mais poder" que não tem um décimo da pegada das outras canções. O lado B começa com a viciante "O Papa é Pop" e de desenvolve com "A Violência Travestida faz seu Trottoir" e "Anoiteceu em Porto Alegre", dois épicos sensacionais com letras marcantes para os fãs e que mostram as influências de rock progressivo de Gessinger. se encerra com as apenas regulares "Ilusão de Ótica" e "Perfeita Simetria".

É o disco que alça a banda ao posto de maior nome do Rock nacional. Numa época em que a lambada (argh!)e o sertanejo explodem nas paradas os Engenheiros se tornam intrusos nas paradas de sucesso. "Exército de um Homem só" ganha um videoclipe superproduzido para os padrões da época, "Pra ser Sincero" vira uma pegajosa canção de amores mal resolvidos e "O Papa é Pop" vira o refrão da moda repetido em todo lugar. Lembro que em 1990 eu tinha 6 anos e era comum na hora da saída ou nos intervalos do colégio ver garotos cantarolando o refrão da música enquanto tocavam air-guitar
É um discão. Nota 9,0
Clipe de "Exército de um Homem Só", superproduzido para os padrões da época
"O Papa é Pop" - Quase um anti-clipe para compensar a superprodução do anterior
Clipe de "Era um Garoto que Como Eu  Amava os Beatles e os Rolling Stones

 
Várias Variáveis (1991)

Eu considero esse o melhor disco da banda. A sonoridade clean do disco anterior é abandonada, os arranjos são mais pesados, as letras são enormes e magnificamente construídas; não há nenhuma canção pegajosa para ser hit de rádio e ter os refrão cantarolado nas esquinas. A banda parece ter optado por uma auto sabotagem comercial depois da superexposição de "O Papa é Pop". Nesse clima eles produzem um puta disco, com as guitarras de Licks na melhor forma possível e auxiliadas pela bateria do Maltz, que dessa vez não era eletrônica. Canções como "Piano Bar", 'Ando Só", "Muros e Grades", "Quartos de Hotel, "Museu de Cera", além da regravação "Herdeiro da Pampa Pobre" fazem um disco vibrante.
clipe oficial de "Piano Bar"
 Todas as 14 canções do álbum contam com sutilezas belíssimas que transformam a obra em umas viagem musical das melhores. "Piano Bar" é, talvez, a melhor canção já escrita por Gessinger. As guitarras de Augusto Licks percorrem riffs e solos espetaculares e sempre na medida certa como em "Sampa no Walkman" (veja aqui), "Piano Bar", "Sala Vip", "Não é Sempre" e "Muros e Grades". Dá pra ouvir do início ao fim sem sentir uma vírgula de tédio ou cançasso. 
Nota: 10,0 
O sucesso desse disco rendeu a banda 3 antológicas aparições no mesmo ano no Programa Livre do SBT com Serginho Groissman

Gessinger, Licks e Maltz (1992)

Seguindo a lógica de sabotagem comercial do disco anterior, o 7º disco da banda é mais silencioso, menos rockeiro e com tentativas de fazer rock progressivo. Fazem sucesso "Ninguém=Ninguém", "Parabólica" (que eu acho bem chatinha) e "Até Quando vai Ficar". O disco faz experimentações interessantes como a milonga gaucha "Papa no Walkman", as baladas progressivas "Túnel do tempo", "No Inverno Fica tarde + cedo", "A Conquista do Espelho". É um grande disco, com letras poucos diretas e cheias de sentidos ocultos e sem nenhum grande hit, mas que mostra muita qualidade enquanto conjunto da obra. Também merece destaque "Pose (anos90)" e "Chuva de Containers". É o disco preferido de muito fã de carteirinha da banda.
Nota: 8,0
Clipe de "Ate quando vai ficar"

Filmes de Guerra Canções de Amor (1993)

No lugar de gravar um disco ao vivo no habitual sistema baixo-bateria-guitarra os Engenheiros gravam um álbum totalmente diferente. Numa época em que disco acústico era palavrão, e muito antes da finada MTV Brasil transformar isso numa moda chata pra dedéu, o trio faz um álbum classudo usando piano, guitarras semi acústicas e percussão, além de dar ênfase a canções que não foram sucessos radiofônicos. é engraçado que numa época em que a banda definhava por dentro (a relação entre Licks e os fundadores  Gessinger e Maltz estava esgotada, o que levou a ruidosa e até hoje muito mal explicada saída do guitarrista) consegue produzir um disco tão bom.
Canções como "Além dos out-doors" e "pra entender", "Muros e Grades", "Crônica" ganham versões primorosas. Há boas canções inéditas como "Mapas do Acaso", "Quanto vale a vida", e versões para "Ando Só" e "Exército de um Homem Só" acompanhadas de orquestra. Uma maravilhosa versão de "Refrão de Bolero" ficou apenas para o home-video.

 
É o disco de Augusto Licks; sua guitarra é o que mais marca a audição com solos e dedilhados elegantes e bem encaixados para as novas versões. Parece ser uma carta de despedida do guitarrista, que após sair da banda numa briga fenomenal que envolveu troca de acusações e baixarias fortíssimas se tornou recluso e avesso a qualquer aparição pública (o que, junto com as evasivas de Humberto e Maltz, torna o mistério da separação ainda mais nebuloso e instigante).
Nota:9,0

A saída do Licks marca a mudança no formato e na musicalidade dos Engenheiros, mas isso não significa que não há vida musical após isso. Há sim muita vida musical nos discos seguintes.
A segunda fase da banda, com mudanças de formação ao gosto de Gessinger, conta com grandes discos, grandes canções e também com algumas (muitas) escorregadas. Até que uma hora Humberto se toca que a banda virou uma caricatura e assume a carreira solo encerrando as atividades com o nome Engenheiros do Hawaii

Essa segunda fase da obra da engenharia hawaiiana fica pro próximo post, já são 2:33h da madrugada e o sono finalmente bateu. Hasta!



[1] Engraçado como essa frase ainda me soa definitiva. Quando vejo um monte de surtados nas redes sociais repetindo slogans fascistas, respostas fáceis para problemas complexos, palavras de ordem e pregando na maior desfaçatez que fascismo é uma ideologia de esquerda (enquanto pedem a volta do regime militar e exaltam comportamentos e ideias claramente de extrema-direita) penso que Humberto Gessinger previu e definiu em uma frase a corja de pseudorevoltados que infestam as redes sociais e que a cada dia que passa perde a noção da própria estupidez.

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