Num texto anterior falei sobre aqueles que perdem totalmentea auto-crítica em suas opiniões e partem para o insulto contra os seusopositores. Uma das manias mais
irritantes dos tempos atuais é as pessoas insultarem-se umas as outras e
chamarem isso de “liberdade de expressão”. Não é a toa que os ídolos dos mais
diversos segmentos sociais são aqueles que sempre estão ávidos em atacar a
insultar seus adversários. Silas Malafaia é o ídolo do movimento
neo-pentecostal devido seu costume de insultar aqueles de quem não gosta (comparou gays a bandidos e disse que ia “arrombar”o movimento LGBT), Marco Feliciano insulta todo mundo: gays, negros, mulheres,
etc. e não falta gente para defendê-lo. Na imprensa tem destaque quem vive de
vomitar insultos, gente do tipo de Diogo Mainardi, Reinaldo Azevedo, Paulo Henrique
Amorim, etc., são o tipo de jornalista que são adorados por oposicionistas ou
governistas apenas porque vivem de insultar os adversários. Daí se formam
torcidinhas organizadas que repetem os
insultos de seus ídolos.
O problema surge quando quem deveria apelar para a razão
cai no mesmo expediente de querer chocar, provocar e rotular. Quem tem idéias diferentes, quem representa
minorias, quem desafia preconceitos, tem que ser o primeiro a apelar para a
razão. O insulto e a provocação acabam servindo ao opressor na sua ânsia de
legitimar sua opressão.
Mas certos grupos de minorias repetem os erros de seus
antagonistas ao preferirem insultar do que convencer, provocar ao invés de aproximar, agredir ao
invés de dialogar. Assim acontece com o movimento ateu de internet, que gasta
tempo e energia provocando os religiosos no lugar de promover valores
humanísticos e denunciar os abusos contra o Estado Laico. Fazendo isso só se
alimenta o preconceito aos ateus e obscurece a causa.
O problema é que todos os grupos sociais, majoritários ou
minoritários, então contaminados pela lógica do insulto.
Eu já esperava esse frenesi enorme com a vinda do Papa
Francisco ao Brasil. O cara é carismático, simpático, traz uma face humana e
carinhosa que nem de longe esteve em seus dois antecessores. Francisco teve o
mérito de perceber que o problema da Igreja era a sua indiferença quanto aos
pobres, algo que já tratei em outro texto, e também soube desarmar potenciais
opositores (chegou a dizer que ateus podem ir ao céu). Mas o acerto do Papa
Francisco não está no que ele fala, mas sim na forma como fala. Ele é populista
na medida certa, fala mansa e carinhosamente para reafirmar dogmas da Igreja
que eram repetidos com ares de severidade por seus dois antecessores, o que
inflamava o debate.
Não há como esperar grandes aberturas do senhor Mário Jorge
Bergoglio, ele é conservador e já mostrava um certo reacionarismo antes de ser
Papa (veja aqui). Assim pode se esperar as mesmas posições de antes da Igreja
sobre camisinha, anticoncepcionais, células tronco, aborto, divórcio,
descriminalização das drogas, etc. Mas diferente de seus antecessores,
Francisco não joga gasolina na fogueira incitando os ódios, ele se destaca pela
aparente mansidão. Ao evitar que os ânimos se inflamem o Papa espera que o
adversário perca a postura e parta para o ataque.
É difícil discutir abertamente com uma instituição que é
movida por dogmas, que não importam o que digam a razão e a ciência sempre
reafirmará basicamente as mesmas coisas. Não há diálogo contra o dogma, o
dogma é uma imposição e é por definição algo irracional, no qual as pessoas devem
acreditar e devem evitar até de ouvir posições contrárias. Discutir contra quem
pensa dogmaticamente é burrice, nenhum argumento é válido a uma mente dogmática
(vale dizer que dogmatismo não é uma característica exclusiva da religião,
basta ir a uma faculdade e ver que não
falta dogmatismo e doutrinação por parte de professores).
Um dos efeitos do dogma é que ele inevitavelmente levanta
rancores, pois é insensível. Como defender racionalmente que uma família pobre
deve ter 10,12 filhos? Como sustentar uma mulher estuprada deva dar a luz a um filho
do estuprador? Que alguém com uma doença degenerativa deva recusar o tratamento
com células-tronco embrionárias? Que casais com completa incompatibilidade
tenham que conviver juntos forçadamente a vida toda?
Assim os grupos que são forçados a se chocar contra a
doutrina da Igreja entram num debate inflamados pelo sofrimento que essa
mentalidade dogmática provoca. Não é para menos...
O problema é quando se rompe a barreira do protesto, do
confronto, e se chega ao nível do insulto e da perda total de razão. Esse é
o risco que se corre.
Hoje um grupo de feministas com o nome de “Marcha das Vadias”
promoveu um espetáculo dantesco nas ruas do Rio de Janeiro (veja aqui), onde simulavam
masturbação com símbolos sacros em via pública, sem contar que estavam
praticamente nuas (alô, polícia?). Foi o suficiente para que os ânimos se
inflamassem nas redes sociais. Não posso tirar a razão de quem se ofendeu, foi
uma putaria sem tamanho, um desrespeito descomunal, que apenas causou escândalo
e não chamou a atenção de absolutamente ninguém para as questões do machismo e
do sexismo (em muito sustentados em ideologias religiosas). Prestou um
desserviço para a causa da igualdade entre gêneros.
Não se trata de desmerecer a causa, se trata de ter bom
senso. Ao atacar o opositor promovendo escândalo se está apenas sendo idiota e
não um militante. Se é ridículo um pastor chutando uma imagem de uma santa, se
é ridículo perdoar pecados pelo twitter, é igualmente ridículo insultar a
crença alheia esfregando crucifixos na vagina.
Aliás, mais do que ridículo isso é crime.
É de doer na alma ver que quem deveria estar chamando o
debate, encarando o duelo da crítica e
promovendo a conscientização das pessoas prefere tratar os opositores como
inimigos e profanando-os publicamente. Assim perde-se a moral de criticar
aquilo que se considera errado na Igreja. Na verdade dessa maneira se perde a
moral para tudo.
O protesto pode ter humor, pode ter as palavras de ordem,
pode ter a denúncia em voz alta, pode ter toda a rebeldia e indignação
possíveis, mas não pode ter estupidez, não pode ser um insulto gratuito.
É preciso lutar promovendo o bom combate, quem está do
lado da razão, do conhecimento e da tolerância não deveria ter nada a temer,
nem agir motivado por ódio e rancor.
Enquanto isso o Papa Francisco vai transformando os dogmas
mais conservadores da Igreja em uma música agradável para os ouvidos das
pessoas.
- Não vou comentar sobre o artigo em seu conteúdo, concordo em unanimidade, apenas parabenizar pela feita.
ResponderExcluirA conclusão para as pessoas do lado de cá é amedrontadora.
ResponderExcluir"[..]vai transformando os dogmas mais conservadores da Igreja em uma música agradável para os ouvidos das pessoas."
Mesmo assim é preciso refletir sobre esse burburinho de repostas insensatas a tudo que nos rodeia. Parabéns. Extremamente laico.
Muito bom como você descreveu dogma é dogma aceita quem quer mas vale a pena a reflexão.
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