Julgar alguém por suas opiniões, pelo seu direcionamento
religioso e filosófico, pelo seu estilo e gosto pessoal é um terreno altamente
movediço. Geralmente se elogia quem tem posição próxima das nossas e se critica
quem se coloca nos lados opostos. Quando se é muito apaixonado por uma idéia e
se defende ela enfaticamente, perdendo a autocrítica, muitas vezes é comum que
seus partidários considerem os outros como idiotas, atrasados, alienados,
fanáticos, imbecis, insensíveis, etc. Assim é comum que algumas pessoas vivam em
guerra constante contra a ideologia antagônica a sua simplesmente partindo para
ataque ao adversário. Isso não é um
fenômeno para ignorantes, tem muita gente intelectualizada que vive de xingar
seus opositores. Desse modo alguns ateus acham religiosos um bando de idiotas e
alguns (muitos) religiosos acham os ateus uns “metidos”, “arrogantes”,
“imorais”; direitistas e esquerdistas trocam insultos como “alienado”,
“fascista”, “medíocre”; Bocas Pretas e Taboquinhas acusam-se mutuamente de
fanáticos e etc.
Nessa troca de acusações muita verdade é dita por ambos os
lados, mas o saldo final é de uma desaforada troca de bravatas. Me espanta que
muita gente que considero inteligente caindo nesse expediente que em outras
épocas também já caí.
Meu saco pra discutir idéias começou a encher depois de uma
discussão no facebook sobre a interferência religiosa na política e nas leis,
onde um indivíduo entrecortava sua argumentação (bem coerente por sinal) com
insultos gratuitos dirigidos a mim e meus pares (os ateus) como “intolerante”, “totalitário”, “burro”, “estúpido” entre
outros. Pra esses tipos de pessoas, que se apegam demais as próprias opiniões a
ponto de perder a auto-crítica e o bom senso, não basta argumentar é preciso
atacar, humilhar, devassar o adversário. Enfim, o irracionalismo reina
soberano.
Mas onde quero chegar é que, apesar de minha crítica ao
linguajar agressivo, existe um indivíduo que pode, ao meu ver, ser considerado
realmente um idiota no sentido de alguém que renunciou a sua razão na hora de
formar suas concepções. É a figura que defende idéias que o prejudicam, ou prejudicariam
caso fossem aplicadas, como se fossem a salvação redentora para combater aquilo
que ele considera como mal. Não bastando defender a própria ruína, é comum que
surjam “polemistas” que defendam idéias que prejudicariam um grande número de
pessoas (das quais ele próprio não estaria excluído).
Assim são os “jovens-conservadores”, os “homossexuais
protestantes”, as “feministas católicas”, os “socialistas que votam em
oligarquias”, “os democratas militaristas”, os “cientistas criacionistas”, as
“mulheres machistas” etc.
Vivemos uma época em que as pessoas lutam apenas por
aceitação social, ainda que isso signifique ir contra a sua mais essencial
individualidade. A moda não é questionar, a moda agora é aderir, nem que pra
isso tenha que se fazer um exercício de argumentação que, na ânsia de
harmonizar a necessidade de aceitação pela sociedade com o seu verdadeiro "eu", termina por chegar ao ridículo.
Assim vemos uma juventude que desfruta de uma liberdade
jamais imaginada antes simpatizar com ideologias políticas conservadoras e
reacionárias (que voltaram a moda com
tudo nos últimos anos). Vemos homossexuais tentando aliar sua luta por
direitos com uma religiosidade baseada num livro que ordena seu
apedrejamento e os chama de “torpes” (já ví uma parada gay onde se cantou “Faz um
milagre em mim” quase como se fizessem para seus algozes um pedido de
permissão, ou de desculpas, para existir). Vemos mulheres ditas Católicas
defendendo o direito ao aborto (o tal
“Católicas pelo direito de decidir”). Temos biólogos, paleontólogos e
historiadores que dizem não acreditar na Evolução (mas usam suas graduações e o respeito que elas transmitem para defender
idéias sem a menor fundamentação científica). Temos pseudo-intelectuais que
dizem que o fascismo era de esquerda e que a ditadura militar salvou o Brasil
do comunismo e que naquela época não havia corrupção (precisa comentar?!)
Dois casos cotidianos me chamaram a atenção nos últimos
dias. No primeiro uma senhora conhecida minha, costureira, fazia um discurso
enquanto conversava com uma amiga no supermercado:
“sabe, eu detesto esse
negócio de conselho tutelar. Agora não pode nem dar uma ‘lapadas’ nos meninos
mais. Não pode botar eles pra trabalhar, pra ajudar com um dinheirinho nas
contas da casa. Fica em casa vagabundando, só vai pra escola e depois não faz
mais nada. Depois vira tudo traficante e sai matando por aí”
Depois de ouvir isso comecei a pensar que se a vontade dela
fosse aplicada e as crianças pudessem trabalhar independente da idade talvez
ela fosse a primeira a perder o emprego. Qual patrão, caso o trabalho infantil
fosse legalizado, hesitaria em empregar uma criança, que não tem noção exata do
valor do dinheiro e assim poderia trabalhar mais barato, para um trabalho
repetitivo e de fácil aprendizagem como costurar e demitir um adulto (talvez
ela própria) com uma família para sustentar
só pra aumentar a margem de lucro?
Me arrisco a dizer que a senhora que falou isso não teve uma
boa educação escolar nas áreas de sociologia, história, filosofia, etc., se teve então resolveu desprezar isso
completamente na hora de formar sua opinião. Uma boa aula sobre Revolução
Industrial poderia servir, ou não...
Outro caso foi quando vi uma amiga de longa data divulgar no
facebook o vídeo “Como ser submissa a uma pessoa omissa” (assista abaixo). Essa
amiga é tem formação superior, fala três idiomas, tem leitura e capacidades
intelectuais suficientes para saber valorizar a posição que a mulher conquistou
na sociedade. Mas ela prefere repercutir um vídeo onde Ana Paula Valadão e
outras líderes religiosas femininas ensinam que bom mesmo pra mulher e ser
dependente de um homem, que o importante é saber pregar um botão na camisa do marido, e que se a mulher
preferir adiar o casamento para construir uma vida profissional sólida vai
acabar casando com um patife aproveitador qualquer.
Depois do minuto 2:30 começa o "espetáculo"
Fico pensando se essa minha amiga dá algum valor ao que
passaram as primeiras mulheres operárias que iniciaram o processo de emancipação
feminina; se compreende a importância da luta das sufragistas dos séculos XIX e
XX que lutaram para que ela pudesse votar, se entende o que realmente
representou a revolução sexual dos anos 60-70 (que foi algo muito além do campo da sexualidade). Acho que ela deve
fazer alguma idéia disso e deve perceber que vive em um momento positivo único
para as mulheres na história, mas prefere defender e propagar que o bom mesmo
pra mulher é ser escrava do lar, pouco escolarizada e pregadora de botões. Uma
boa aula de História talvez fosse útil... ou não!
Diante dessa realidade onde as pessoas vivem numa corda
bamba entre serem verdadeiras com si próprias ou terem plena aceitação social
fico imaginando se vale a pena ser professor. Numa realidade onde as pessoas
tentam harmonizar o impossível e onde
defendem suas idéias na base do ataque ao interlocutor. Onde quase ninguém toma
uma posição clara sobre as coisas, e aqueles que tomam o fazem desprezando o
conhecimento, a lógica e o bom senso.
Talvez a chave para entender essa época em que vivemos
esteja em perceber que ela se pauta num jogo que alia o imediatismo e a
ausência de reflexão. Essa combinação
leva populações inteiras a defender idéias que as prejudicam, que
historicamente já se mostraram grandes furadas, mas as pessoas continuam a
defender e partem ao ataque a quem não se rende a esse
prato-feito.
Sinto-me melancólico com isso. Talvez só se venha a
conseguir uma tradução mais coerente para os dias atuais daqui a uns 40,50
anos... quem sabe?
Enquanto isso eu fico só com meus livros de História
Nenhum comentário:
Postar um comentário