Relutei em comprar o “Guia Politicamente Incorreto da
Filosofia” de Luis Felipe Pondé pois vejo a olhos nus o estrago intelectual que
o trabalho co-irmão desse (as três edições do “Guia Politicamente Incorreto da
História” de Leandro Narloch) tem feito.
Esses “guias” servem ao interesse imediatista do mundo atual.
Vivemos uma época em que quem quer emagrecer compra um remédio milagroso no
lugar de fazer dieta e malhar, e quem quer ter opinião sobre as coisas prefere
se apegar a qualquer informação rápida e redentora, da qual já se alimenta
simpatia de antemão, do que buscar conhecimento profundo.
Tais publicações servem para dar argumentos ao pensamento
reacionário atual, a esses indivíduos de pensamento enviesado que só estudam
aquilo que lhes agrade (isso quando estudam, claro) e que ficam dando piti
quando precisam estudar sobre algum tema com o qual arbitrariamente não
simpatizam (vide o caso do “garotodefensor de valores democráticos” que se recusou a estudar Marx na faculdade e defendeu “democraticamente” o banimento do marxismo). Tenta-se buscar na história legitimação
para os ideais mais reacionários, para as maiores desonestidades intelectuais;
lógico que para isso é preciso se apegar a fontes obscuras, fazer uma leitura
descontextualizada dos fatos e, claro, disposição desavergonhada em mentir.
Assim encontra-se nessas publicações afirmações que o nazismo era de “esquerda”
porque o partido se chamava “Nacional-Socialista Alemão”, só para ficar em um exemplo
da desonestidade argumentativa desses indivíduos.
Movido por essa desconfiança fiquei temeroso em comprar o
livro de Luis Felipe Pondé, mas a curiosidade foi maior e comprei-o. Minhas
expectativas milagrosamente... se
confirmaram! O livro é um tratado de reacionarismo, de defesa de ideais
antidemocráticos, preconceito social, machismo e desleixo e desrespeito contra
tudo aquilo que se mostra contrário ao ponto de vista do autor. Claro que
Pondé também cometerá acertos no livro, mas eles são em ampla minoria.
Pondé tem estilo, escreve com clareza, desenvoltura e sem
rebuscamentos, mas logo nas primeiras páginas já mostra um traço comum nos
autores desses “guias”: o ataque a quem pensa diferente, a desqualificação a
quem discorda dele. Assim chovem adjetivos como “preguiçoso”, “medíocre”,
“covarde” contra seus antagonistas.
Como sabe que em tempos de governo de esquerda falar que é de
direita dá muito audiência, Pondé radicaliza e logo nas primeiras páginas sai
com tiradas ácidas contra a democracia e
em favor de um pensamento aristocrático. Para Pondé o homo vulgaris, a massa inculta, não sabe sobre o que se debate de
fato em uma democracia (isso é verdade) e por isso acaba por dobrar as decisões
políticas à sua vontade ignorante. Apesar de haver alguma substância de verdade
nas falas de Pondé sobre isso, percebe-se na verdade um grande recalque por
parte dele, talvez com o momento político e social vivido pelo Brasil, onde a “pobretada
inculta” vive com mais dignidade e freqüenta alguns espaços que antes lhes eram
inacessíveis. A mentalidade reacinha de Pondé aparece logo aí; pra ele pobre
tem mais é que chafurdar na pobreza, andar de cabeça baixa, e pronto.
“Costumo dizer que aeroportos e os aviões, além de todos os
lugares do mundo, viraram um grande churrasco na lage” (pág 17)
“Quando se acentua a
igualdade na democracia, amplia-se a mediocridade” (pág 50)
O grande inimigo listado por Pondé no livro é o pensamento do
“Politicamente Correto”, que segundo ele é uma praga que vive a castrar a
liberdade de pensamente e que é desonesto intelectualmente. A maior expressão
do politicamente correto, segundo Pondé, é a “Teoria de gênero” e sua idéia de
que a sexualidade é algo construído socialmente. A crítica de dele ao feminismo
é ácida e mal educada, apelando para um processo de desqualificação das
feministas enquanto pessoas. Isso demonstra o quanto o “filosofo” foi cirúrgico
na escolha das palavras e qual o público que busca atingir. Os reacinhas de
plantão são figuras que se sentem superiores e adoram xingar seus adversários
ideológicos, em muito por falta de argumentos (é praticamente impossível um
debate decente e civilizado com um reaça moderno). Por isso Pondé carrega na
desqualificação covarde contra as feministas, ainda que certas críticas suas ao
feminismo estejam corretas, se não xingar o reaça politicamente incorreto não
compra o livro (Lobão, Olavo de Carvalho, Reinaldo Azevedo são provas disso):
“feministas, normalmente, são azedas porque são feias” (pág
80)
Mas a parte que considerei mais ofensiva foram as reflexões
sobre educação. Para Pondé a maioria esmagadora dos professores escolhem essa
carreira porque são medíocres. Mas concordo que algumas coisas que ele fala
sobre a classe de professores são reais para uma boa parte deles: que poucos
tem apreço pela leitura e o estudo, que poucos valorizam a erudição e a
polidez, que consomem lixo cultural desavergonhadamente (numa clara contradição
com a sua posição de alguém que deveria querer elevar o nível cultural e
intelectual do aluno), etc.
O problema dessa parte é que Pondé coloca quase todos no
mesmo saco, mas coloca-se como exceção, claro, afinal ele é um “iluminado
aristocrata-intelectual”. Vergonhosamente desqualifica as ciências humanas
dizendo que nada de bom surge delas. É o lado mais asqueroso do livro porque o
ódio as ciências humanas é a face mais estúpida do reacionarismo. Os conservadores-reacionários
detestam as ciências humanas pois elas desafiam o senso comum, contestam a
estabilidade social aparente, e Pondé, um filósofo, as desqualifica abertamente.
Esse sentimento de ódio aos intelectuais me lembra muito o sentimento do
nazismo contra os intelectuais, especialmente das ciências humanas, expresso na
frase de Gobbles: " QUANDO EU OUÇO FALAR EM CULTURA EU PUXO
O REVÓLVER".
“Na maioria dos casos, professores de universidade (ou não)
são pessoas que, além de não gostar dos alunos, têm uma inteligência mediana e
foram, quando jovens, alunos medíocres, que fizeram ciências humanas porque
sempre foi fácil entrar na faculdade em cursos de ciências humanas” (pág 97)
“As ciências duras ainda podem entregar remédios e ‘robots’,
as ciências humanas não tem nada para entregar” (pág 101)
O desprezo a intelectualidade é a marca do estúpido
politicamente incorreto, além da grande admissão de burrice que é apelar para
um ataque tão vil. Esse deboche do Pondé quanto a seus pares mostra outra
característica do novo imbecil reacinha: ele se acha especial. Pensa que não há
necessidade de aprender na escola, de ouvir o contraditório, de estudar. Sentem-se
especiais a ponto das conjecturas que eles elaboram dentro da sua ignorância
serem maiores do que conhecimento científico amplo, assim só valem pra eles
filósofos, sociólogos e historiadores que estejam de acordo com seu ponto de
vista desenvolvido arbitrariamente.
Mas admito que fiquei feliz ao ler esse trecho quando lembrei
dos meus amigos reacinhas que infestam cursos de Filosofia, Letras e História.
Fico a pensar o que eles acham de um de seus ídolos o chamarem de medíocres.
(Fina ironia, hehehehe)
Pondé caminha pela mesma estrada de gente como Olavo de
Carvalho e Reinaldo Azevedo, Lobão, que vestem de estilo as ideias mais
estúpidas (restrição da participação popular na democracia, desprezo pela
educação escolar, deboche contra professores e intelectuais das ciências
humanas, machismo).
Sinto-me mal em ter dado 40 reais para essa turma do
politicamente incorreto, em financiar essa gente que se arroga de professor,
filósofo, historiador e jornalista para difundir preconceito e apologia a
ignorância e estupidez. Se algum reaça quiser me comprar o livro pelos mesmo 40
reais eu vendo na hora, mas aviso que vou usar a grana para comprar algum livro
que realmente preste.
Um texto que desnuda o estilo de argumentação de Pondé e seus congêneres
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