" A transparência do mal" por Jean Willys, na Carta Capital
Uma frase muito repetida e cuja autoria é atribuída a
Confúcio – embora não se saiba ao certo se é mesmo dele – diz que “uma
imagem vale mais que mil palavras”. Ainda que existam palavras que mil
imagens não consigam traduzir (“honestidade” é uma delas!), trata-se de
uma verdade válida para a maioria das imagens, inclusive para a
fotografia de um culto evangélico que circula pelas redes sociais e que
veio parar em minha caixa de e-mails no fim de semana. Nesse flagrante
fotográfico, o senador Lindberg Farias (PT-RJ) aparece “orando” ao lado
do pastor e empresário Silas Malafaia: uma imagem que diz tanto quanto
todas as palavras de O príncipe, de Maquiavel, ou Fausto, de Goethe.
Não é segredo para ninguém que o senador Lindberg Farias é pré-candidato do PT ao governo do Rio de Janeiro. E que sua pré-candidatura ameaça a aliança sempre conflituosa - sempre por se romper a qualquer interesse privado não atendido – entre seu partido e o PMDB, sigla que no momento não só governa o Rio, mas tem a vice-presidência da República, além de presidir as duas casas do Congresso Nacional. O atual governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, mesmo sucumbindo a uma impopularidade sem precedentes, fruto de denúncias de corrupção em sua gestão, não quer a candidatura de “Lindinho” e pretende eleger seu vice, Pezão, a qualquer preço. Ameaçado pelo impacto negativo de sua pré-candidatura na aliança nacional entre PT e PMDB e sentindo que esse impacto se amplia na medida em que a parceria entre Marina Silva e Eduardo Campos emerge como a possível aposta da “grande mídia” para eleições do próximo ano, Lindberg decidiu pôr a alma à venda em busca de força para sua empreitada. Ora, se o fato de se pôr a alma à venda já suscita um debate sobre ética, imaginem quando a alma é oferecida a negociante que costuma pagar pouco e pedir mais que alma!
Não é segredo para ninguém que o senador Lindberg Farias é pré-candidato do PT ao governo do Rio de Janeiro. E que sua pré-candidatura ameaça a aliança sempre conflituosa - sempre por se romper a qualquer interesse privado não atendido – entre seu partido e o PMDB, sigla que no momento não só governa o Rio, mas tem a vice-presidência da República, além de presidir as duas casas do Congresso Nacional. O atual governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, mesmo sucumbindo a uma impopularidade sem precedentes, fruto de denúncias de corrupção em sua gestão, não quer a candidatura de “Lindinho” e pretende eleger seu vice, Pezão, a qualquer preço. Ameaçado pelo impacto negativo de sua pré-candidatura na aliança nacional entre PT e PMDB e sentindo que esse impacto se amplia na medida em que a parceria entre Marina Silva e Eduardo Campos emerge como a possível aposta da “grande mídia” para eleições do próximo ano, Lindberg decidiu pôr a alma à venda em busca de força para sua empreitada. Ora, se o fato de se pôr a alma à venda já suscita um debate sobre ética, imaginem quando a alma é oferecida a negociante que costuma pagar pouco e pedir mais que alma!
Todos sabem como Silas Malafaia se comportou nas
eleições de 2010 em relação à então candidata do PT Dilma Rousseff. Em
conluio com José Serra, candidato do PSDB, ele demonizou a petista e
reduziu o debate eleitoral a uma agenda moralista - quase fascista – que
obrigou os principais candidatos à presidência a se colocarem contra os
direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e contra a cidadania plena
de homossexuais. Não contente, nas eleições do ano passado, Malafaia
tentou derrubar o candidato do PT à prefeitura de São Paulo, Fernando
Haddad, com a mesma estratégia de demonização e rebaixamento (aliás, o
apoio do pastor ao candidato do PSDB me levou a sair em defesa de Haddad
mesmo contra a vontade de meu partido).
A militância petista teve ânsias de vômito quando viu
imagens de José Serra em cultos evangélicos, acompanhado de Malafaia,
proferindo expressões cristãs – “A paz do senhor, irmão” – que, em sua
boca, soavam tão naturais quanto um pacote de Tang. O que essa mesma
militância estará dizendo de seu senador?
A foto de Lindberg orando ao lado de Malafaia me fez
lembrar das lições de Roland Barthes na memorável A câmara clara, obra
que li para a disciplina Fotografia quando cursava Jornalismo nos idos
anos 90. Nela, Barthes elabora dois conceitos - Studium e Punctum -
para se referir a dois modos de envolvimento com a fotografia. O studium
corresponde a uma “leitura” da fotografia por meio de critérios e
objetivos definidos; uma espécie de crítica intelectual da imagem a
partir de um repertório cultural. Posso dizer, então, tendo em vista o
studium da foto em que o senador do PT aparece “orando” ao lado do
pastor fundamentalista e boquirroto, que a mesma revela um “fenômeno
extremo” da contemporaneidade: o abraço eivado de cinismo entre o
marketing e a política.
A expressão “fenômenos extremos” é utilizada pelo
filósofo francês Jean Baudrillard, em seu excelente A transparência do
mal, para se referir aos episódios da atualidade que correspondem à
substituição do real por “simulacros”. A foto da conversão de Lindberg
não é só um “simulacro” do real mas, antes, uma simulação descarada.
Nela, o mal – a mentira, a enganação, o oportunismo, a desonestidade
intelectual, a venda da alma ao diabo - é transparente a quem quer que
se preste a “ler” seu studium.
Já o punctum é, segundo Barthes, algo que, na imagem, toca-nos
independentemente daquilo que, nela, vemos de imediato ou buscamos. Nas
palavras do autor, o punctum é “um detalhe”; “são precisamente pontos”;
“pequena mancha, pequeno corte” [na fotografia]. Trata-se de uma
“leitura” não-intelectualizada da imagem; intuitiva; um ponto na foto
para o qual o olho se dirige quase contra a vontade; um traço notado
mesmo que tudo na foto chame mais atenção que ele. Varia de acordo com o
leitor. Para mim, o punctum da foto de Lindberg “orando” ao lado de
Malafaia é o riso mal-disfarçado de ambos. Ambos têm consciência de que
estão enganando um eleitorado que não por acaso é chamado e tratado como
“rebanho” pelo seu pastor. Esforçam-se para parecerem convincentes – e
tudo na foto reforça a verossimilhança da cena, inclusive o nome “Jesus”
ao fundo. Mas o punctum os desmascara e revela o riso da serpente.
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