quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

DISCOS PERDIDOS – 3 Obras geniais de Odair José (Parte 1): Odair José (1973)



Um dos maiores gênios da música popular chama-se Odair José, um artista genial que sempre falou a linguagem do povo sem se deixar tornar popularesco, chinfrim ou esculhambação. Mas foi um maldito, um artista que pela sofisticação, talento e coragem acabou se tornando uma figura que não teve seu talento reconhecido, enquanto isso os artistas populares politicamente corretos ganharam fama e dinheiro vendendo música de baixa qualidade.
Odair é tachado de “brega”, um termo nada desonroso mas que reduz o valor de sua obra. Nas suas canções o romantismo nunca é mostrando com aquelas letras piegas e ultra previsíveis, e sua interpretação fica longe do exagero e da caricatura que marcavam as interpretações dos cantores bregas dos anos 70. O brega sempre foi visto, preconceituosamente, como uma música desprezível e feita para ignorantes excluídos, Odair chutou isso pra cima, fez música excelente, que se fossem gravadas por gente como Raul Seixas ou o “rei” Roberto Carlos seriam consideradas “pérolas da MPB”. Acho que Odair não é venerado hoje como um dos maiores compositores do país também porque sua música o trouxe inimigos bem poderosos, como a ditadura militar, a Igreja Católica (a maior de seus desafetos, que chegou a excomungá-lo devido ao teor de suas músicas), e grandes empresas farmacêuticas  que dominavam o mercado de anticoncepcionais no início dos anos 70. Ter esses inimigos mostra que Odair José fez música com conteúdo, com inteligência, com estilo, o artista que canta apelando para mediocridade das massas nunca incomodou ninguém.
Sobre a motivação de sua obra Odair afirmava  "Amadureci um ano em um dia ao observar a vida das pessoas com quem convivia no centro e na Lapa. Não sou compositor, mas um observador. Meus assuntos existem, não preciso inventá-los. Eu apenas faço música com a vida alheia e ela às vezes é dolorida"
O primeiro disco de nossa lista é o antológico “Odair José” de 1973. Um disco genial, onde quase todas as músicas fizeram sucesso e algumas causaram  polêmicas enormes. Neste disco Odair mostra, através de letras sofisticadas, toda uma crítica dos costumes e até algumas referências sutis a situação política do país.
Faixas:
1.       “Deixe essa vergonha de lado”:
Uma canção que deu a Odair José o título de o “cantor das empregadas”. Onde narra a história de um romance que ele teria com uma empregada doméstica que, envergonhada com a profissão, mente dizendo ser a dona da casa e que a criança que ela leva para escola não é filho de sua patroa mas seu irmão. A crítica social de Odair já aparece nesta música. Em 1973 a profissão de empregada doméstica não era regulamentada nem mesmo reconhecida, o desprezo social com essa figura era gritante, a canção é a primeira a escancarar o fato.

2.        “Os anjos”
Canção que aparenta ter motivações religiosas mostra um Odair deprimido, uma melancolia que se percebe na letra:  “Os anjos estão voltando vem pra dizer que Deus está chegando/
Eu vejo uma esperança no infinito um caminho tão bonito por onde ele vai passar/Eu escuto uma canção anunciando, nosso pai esta chegando ele vem pra conversar/Eu preciso está presente nessa hora, pois quando ele for embora, vou pedir pra mim(sic) levar.”

3.       “Eu, Você e a Praça”
A acidez das letras de Odair se mostra presentes, aqui. A canção narra um encontro de um homem com uma mulher numa praça. Há nas músicas referências a carícias sexuais e a uma relação mantida em segredo: “Encostei o meu corpo no seu/E um novo desejo nasceu/ Entre nós dois/ Seus carinhos me deixavam louco/Nosso tempo era curto e tão pouco/ deixamos pra depois.”  Foi regravada numa excelente versão por Zeca  Baleiro

4.       “E ninguém liga pra mim”
Mais uma da refinada melancolia de Odair, letra sofrida mas com uma interpretação sóbria e um arranjo muito bom. Muito boa canção.
5.       “De repente”
Outra canção melancólica, com versos que podem ser interpretados como uma referência ao regime ditatorial da época : “de repente não posso mais sair na rua/ de repente e minha liberdade se acabou/ (...) de repente alguém bateu em minha porta/ de repente o telefone toca/ de repente em mais nada eu acredito”.  Grande canção e um refrão bem bonitinho.

6.       “Uma vida só” (Pare de tomar a pílula)
A canção mais polêmica do álbum, foi líder de execução nas rádios por dois meses, depois foi censurada. A letra caiu na boca do povo, mas chegou a ser proibida por algum tempo, por contrariar o governo. Em 1973 o governo militar promovia programas de controle da natalidade com base na farta distribuição de anticoncepcionais nas comunidades pobres, a música foi considerada subversiva e proibida de ser tocada no Brasil. Uma farmacêutica que produzia anticoncepcionais e mantinha campanhas publicitárias em todas as quatro redes de TV nacionais da época, exigiu que Odair não fosse chamado a nenhum programa televisivo mesmo que não cantasse a música proibida. Até a Igreja católica, cujas rusgas com Odair começaram um ano antes (1972) com o lançamento da música “Cristo, quem é você?”, apoiou a censura de uma musica que concordava com seus princípios. Para a mente dos clérigos da época a canção, ao falar abertamente sobre a pílula mesmo que recomendando o não uso, era um incentivo ao consumo de anticoncepcionais (a religião e suas idéias mirabolantes, né?)
O que me incomoda é que até hoje a canção é mais lembrada pela polêmica do que pelo conteúdo. É uma canção bonita onde um marido apaixonado tenta convencer sua mulher, através de argumentos bem românticos, a gerar um filho da união do casal. Uma excelente canção.

7.       “Revista Proibida”
Uma canção muito massa. Uma balada onde Odair narra a compra de uma edição de revista masculina (revista proibida) e encontra uma foto de um ex-affair que posa em um nu frontal. O que faz ele lembrar momentos íntimos do casal, além de lamentar o fim do relacionamento. Outro traço polêmico de Odair se mostra presente: as suas referências diretas, mas nem por isso pouco elegantes, sobre sexo. O que também lhe garantia a antipatia da Igreja e de setores conservadores (acho que eles deviam gostar e apoiar apenas cantores que cantavam sobre dor de corno, deve ser isso...).

8.       “Eu sinto pena e nada mais”
Uma boa piada com a liberação feminina vivida na época e a confusão de costumes gerada por isso. O caso de uma mulher que, para ferir o orgulho do ex-marido, se entrega sexualmente a alguns de seus amigos. Uma visão aguçada sobre o conflito de costumes vividos no Brasil no início dos anos 1970, onde a liberdade da mulher, sexualmente inclusive, se choca com o machismo tradicional. Na música o marido sente pena e desprezo da atitude da ex-mulher.
9.       “As noites que você passou comigo”
Uma boa dor de cotovelo. As referências a sexo entre o casal estão presentes (Viciado no negócio esse Odair, em?). Trecho da letra: “Você dizendo que não lembra quem sou eu./Não tem graça pois seu corpo já foi meu./Mesmo que não queira o passado existiu./Quantas noites em minha cama você dormiu.”
10.   “Quem é esse rapaz”
Mais uma dor de cotovelo. A mais fraquinha do disco. Mas mostra o machismo tradicional da música e do homem da época.  Trecho da letra “Será que ele tem maior amor que o meu?/ se que com ele você vai ser mulher?”
11.   “Cadê Você”
Música muito famosa na época e mais ainda em 1992, quando Leandro e Leonardo regravaram. A letra é muito curta,Odair conta que quando Leandro e Leonardo o consultaram para pedir a autorização para a regravação perguntaram: “mas a letra é tão curta assim?”.

12.   “Que saudade de você”
A despedida do disco é uma boa canção. O arranjo é muito bom e a letra é simples e eficiente. O disco não podia se encerrar com uma canção melhor, ao terminar o disco já se sente  saudade e volta-se a escutá-lo de novo.

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