sábado, 14 de janeiro de 2012

Sobre Globo e Record


Nessa briga entre Globo e Record não é muito difícil saber qual lado escolher: o da Globo. Mais do que achar que a TV dos Marinho é melhor em programação, qualidade jornalística e em postura enquanto empresa de comunicação; acho que a TV Globo é mais relevante e menos prejudicial no tipo de informação e entretimento oferecidos a população do que a TV de Edir Macedo . Além de, lógico, sempre lembrar que a Record hoje compete com a Globo menos por seu sucesso empresarial e muito mais pelo dinheiro dos dízimos e ofertas doados aos montes pelos crédulos fiéis da Igreja Universal.  Aviso de antemão que não esqueço os desvios editoriais da Globo, suas manipulações, suas baixarias exibidas em programas esdrúxulos e sua aliança com a ditadura militar que governou o Brasil de 1964 até 1985; mas o que discuto é a disputa entre a TV Globo e a TV Record, e como acho que no fim das contas a Record vai acabar perdendo e feio.
A Globo perdeu vários atores e artistas (todos antigos sucessos já decadentes ou atores de segunda linha na emissora) para a Record, perdeu o direito sobre as Olimpíadas e o Pan-Americano e teve seus direitos de transmissão do brasileirão ameaçados pela Record (a Globo teve que pagar cotas altíssimas ao clubes para não perder as transmissões), mas o leque de artimanhas da TV do Edir está se esgotando.
O tiro certeiro dado pela emissora dos Marinho foi apostar na falta de unidade das igrejas evangélicas, na competitividade e busca desenfreada (e desavergonhada) por dinheiro promovida pelos grandes tele-evangelistas do Brasil. Para a Globo bastou trazer grandes artistas da música gospel para o cast da Som Livre e estabelecer uma aliança com outros pastores influentes (Silas Malafaia, Valdomiro Santiago) para abocanhar parte do público mais cobiçado do país. O crescimento econômico e a ascensão econômica das classes D e E, justamente o nicho onde as igrejas tem tido mais êxito, fez as Organizações Globo ver onde estava a “galinha dos ovos de ouro” para recuperar a audiência perdida. A TV carioca era vista, já fazia muito tempo, como “inimiga” dos evangélicos e nunca rejeitou publicamente esse rótulo, mas agora tenta concertar o estrago feito.
O entrevero entre Globo e evangélicos começa de fato em 1989, quando a Igreja Universal compra a TV Record. Logo a emissora carioca viu que a ousadia de Edir Macedo ia trazer dor de cabeça. Uma rede de TV alimentada pelo dízimo de fiéis, que já eram conhecidos na época pelo fanatismo, ia ser mais eficiente financeiramente do que uma empresa alimentada pelo mercado publicitário.
Diante da nova concorrente e com a certeza de que ela traria problemas ao predomínio da vênus  platinada no Brasil a Globo cuidou em dar um belo cartão de visitas: em 1989 um Globo Repórter demolidor sobre a Igreja Universal e Edir Macedo.
Veja o vídeo:


Os efeitos a partir daí se tornaram contraditórios, por um lado a Globo conseguiu mostrar Edir Macedo como um charlatão da fé  e por tabela  isso atingia a credibilidade da sua emissora (que demorou um bocado para emplacar na audiência, só atingindo o 2° lugar no Ibope a partir de 2004). Por outro lado a Globo passou a contar com a antipatia dos evangélicos. A rivalidade entre as várias denominações não era tão nítida como é hoje, assim os evangélicos viam os fiéis da Universal como “irmãos excêntricos”, daí entendiam os ataques da TV de Roberto Marinho contra Edir Macedo como se fossem dirigidos aos crentes de todas denominações. Para piorar o quadro a Globo usava novelas e mini-séries para caricaturar os pastores e os fiéis da Universal, mas isso acabava sendo considerado como um ataque a todos os evangélicos. A Globo realmente usou sua esmagadora audiência para tentar passar uma imagem negativa dos cristãos-protestantes, tentar a todo custo frear o evidente avanço do protestantismo neo-pentecostal do país, mas chegou a um exagero absurdo.
A minissérie “Decadência”, de 1995, mostrava Edson Celulari na figura de um pastor corrupto, que enriquecia as custas da fé dos fiéis. O gestual e as falas do personagem são claramente copiadas de Edir Macedo. Mas a pior da minissérie é que elas mostravam os fiéis evangélicos de forma muito depreciativa, tanto houveram cenas que insinuavam que algumas moças chegavam a transar com o pastor como uma forma de “chegar a Deus”.

Na novela “Meu Bem Querer”, de 1998, os fiéis de uma Igreja evangélica são mostrados como figuras caricatas, fanáticas e um tanto mal-educadas. Além disso o filho do pastor Bilac Maciel (um pastor honesto interpretado por Mauro Mendonça), o também pastor Julião Mourão (interpretado por Leonardo Brício) estupra a própria cunhada para satisfazer um desejo amoroso escondido.
Diante desta sorte de impropérios a Globo vestiu a carapuça de inimiga dos evangélicos e estava cavando a sua perda de audiência que hoje está se deflagrando. Como efeito colateral mais grave, ao meu ver, esta caracterização desrespeitosa dos fiéis protestantes tirou também credibilidade jornalística da TV Globo. As denúncias contra a Universal, todas verdadeiras, não eram levadas a sério já que quase toda a audiência, inclusive não evangélicos, entendiam as matérias como fruto da rivalidade Globo x Record e não de uma apuração jornalística séria.
A partir dos anos 2000 a Record passou a incomodar de vez e contou para isso também com os vacilos da emissora carioca. A Globo passou 6 anos dividindo as transmissões do brasileirão com a Record na intenção de diminuir os gastos com a compra dos direitos de transmissão que se quisesse poderiam ser exclusivos dela. A audiência dos jogos ajudou a divulgar a grade de programação da Record, que logo cresceu em audiência e se consolidou em 2° lugar.
Mas como a Record conseguiu competir em qualidade e audiência com a TV Globo? A resposta todos sabem: financiamento indireto da Igreja Universal. Com o dinheiro dos fiéis a igreja passou a entupir os cofres da emissora de dinheiro e isso se refletiu na qualidade dos programas e do jornalismo. O esquema é simples: a Igreja Universal compra os horários da madrugada da TV Record com preços muito acima dos de mercado, esse dinheiro é que dá suporte financeiro para a emissora. Se a Record dependesse apenas do mercado publicitário jamais conseguiria competir financeiramente com a Globo, a emissora carioca tem audiência 3 vezes maior que a Record. Mas ao utilizar o dinheiro dos fiéis, que é isento de impostos, através de um financiamento supervalorizado a emissora do Edir cresceu muito, de uma forma tão imoral que o ministério público não podia ficar calado. As investigações do ministério público devem ter feito a direção das Organizações Globo ter orgasmos múltiplos:

Agora a Globo para dar um xeque mate na Record percebeu que a situação era apostar no racha e na competitividade das igrejas evangélicas. Passou a estabelecer alianças com pastores dissidentes da Universal (Waldomiro Santiago) e com antigos amigos de Edir hoje desafetos (Silas Malafaia) dando-lhes espaço nos telejornais, personagens mais amigáveis em novelas e promovendo festivais de música gospel (Promessas). Contratou para o cast da Som Livre grandes nomes da música evangélica (Diante do Trono como carro chefe) e hoje os artistas golpel ocupam um espaço considerável nas chamadas dos intervalos dos programas globais. O fato é que a Globo sempre foi a vitrine sonhada pelos evangélicos para seus projetos de expansão e aquisição de fiéis (Silas Malafaia já disse que sonha com um programa na Globo ) e a emissora dos Marinho acabou quebrando o monopólio da divulgação evangélica da Record.
O golpe foi tão certeiro que a Record passou agora a ser mal vista entre os próprios evangélicos, muito por culpa própria. Tentando descredenciar os artistas e pastores aliados da TV Globo, a Record fez uma matéria de 40 minutos no programa “Domingo Espetacular” acusando estes artistas e pastores de defender a, segundo eles, herética doutrina do ‘cai-cai”.

A matéria é jornalisticamente perfeita: analisa a origem deste movimento, mostra evidências científicas da bobagem que é esse "cai-cai" inclusive com a explicação de um neurologista e entrevista figuras dissidentes deste movimento.  O chocante da matéria é que mostra figuras famosas do meio pentecostal brasileiro em situações vexatórias que só eram conhecidas do próprio meio evangélico, a Record agora escancarou para o grande público a bizarrice teológica destas doutrinas da moda gospel. Cenas de Ana Paula Valadão delirando caída no chão, ou imitando vergonhosamente um leão no palco de um show foram comentadas por semanas; ainda tem as já conhecidas palhaçadas de do pastor Marco Feliciano e suas “asneiras gospel”. É engraçado notar que a Universal combate uma doutrina muito parecida com as bobagens produzidas por ela própria.

O efeito da matéria foi inverso, como os artistas e atores atingidos estão na crista da onda do mercado gospel  logo os pastores aliados da Globo se apressaram em atacar a Record e acusá-la de sabotar o movimento evangélico, os fãs (no sentido mais pejorativo que essa palavra possa ter) defenderam apaixonadamente as loucuras de Ana Paula Valadão nas redes sociais e passaram a atacar a Record. Foi o bastante para que a Record e a Universal entrassem em estado de isolamento no mundo gospel. A Globo começou a ganhar o jogo no campo do adversário.
Por esse motivo acho que a Globo vai vencer a batalha, a Record anda sangrando as igrejas para financiar os altos salários de seus artistas e jornalistas e a Universal enfrenta uma queda brutal no número de fiéis, principalmente pelo novo fenômeno entre os vendilhões do templo: Valdemiro Santiago, que rouba fiéis ingênuos da Universal para implantar-lhe as mesmas táticas de manipulação.
A esperança da Record é o fato de que sua aliança com governo do PT  dá a chance de pintar a Globo como Anti-Lula e Anti-Dilma, de acusá-la de ser conivente com a ditadura militar que devassou o Brasil por 21 anos. Mas basta o PT perder o governo federal (tudo é possível) que a Record e a Universal perderão o amparo e a simpatia dos quadrúpedes ideológicos que as enxergam como um braço ideológico das esquerdas do Brasil.
Outra alternativa é tentar alianças com denominações evangélicas tradicionais, (o pentecostalismo clássico) que perdem fiéis diante da nova conjuntura do movimento evangélico do país. A Assembléia de Deus, por exemplo, vive uma briga interna pesada, onde o pastor Wellington Bezerra tenta manter sua presidência da denominação diante de ataques de opositores e de ex- aliados como o Malafaia (a quem Wellington acusa de querer acabar com a editora da denominação, a CPAD, para monopolizar o mercado editorial evangélico). Talvez aí esteja a grande sacada da Universal  para transferir prestígio para Record e romper com o atual isolamento no meio evangélico: a aliança com denominações e lideranças tradicionais. As diferenças teológicas com certeza ficariam de lado.
Isolada dos demais evangélicos, sangrando financeiramente suas igrejas, caindo em descrédito jornalístico e investigada pelo ministério público por suas transações ilegais (já passou da hora), a Record enfrenta agora o outro lado da luta, quem antes atacava está agora nas cordas, eu aposto que a Globo prepara um nocaute.  

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